Ban Ki-moon acusa Assad de ser responsável "por 300 mil mortos”

Secretário-geral da ONU compara a situação na cidade síria de Alepo a Srebrenica e ao genocídio no Ruanda.

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Um cemitério com falta de espaço em Shaar, bairro do Leste de Alepo Abdalrhman Ismail/Reuters

O secretário-geral das Nações Unidas acusa o ditador sírio de ter causado a morte de mais de 300 mil pessoas na Síria com o fracasso da sua política. As palavras de Ban Ki-moon são parte de uma entrevista à emissora alemã Deutsche Welle.

“É verdade que por causa do falhanço da sua liderança imensas pessoas morreram, mais de 300 mil pessoas”, afirma Ban, de acordo com excertos desta entrevista, que só será difundida na totalidade quarta-feira. “Deveríamos ter impedido Srebrenica, deveríamos ter conseguido impedir o genocídio ruandês. Em Alepo, fazemos o nosso possível”, diz ainda.

Um ano depois da revolta contra Bashar al-Assad, de 2011, Alepo, a maior e mais importante cidade do país, tornou-se num campo de batalha dividido entre o regime e a oposição armada (formada em resposta à brutal repressão com que Assad respondeu a protestos inicialmente pacíficos). Agora, o regime bombardeia diariamente o Leste da cidade, onde permanecem 275 mil pessoas em bairros sob controlo de opositores.

A cidade do Norte da Síria tem sido frequentemente comparada a Srebrenica, onde em Julho de 1995 as forças sérvias da Bósnia cometeram o pior massacre da guerra – mais de 8000 homens e rapazes muçulmanos foram executados no que, era até à Síria, o maior massacre na Europa desde a II Guerra Mundial. As comparações com o Ruanda são menos comuns, mas não inéditas: foi depois desse conflito, entre Abril e Julho de 1994, quando 800 mil pessoas foram mortas, que vários líderes do mundo prometeram “nunca mais” fechar os olhos a atrocidades.

As Nações Unidas desistiram de contabilizar as mortes na Síria. De acordo com um estudo de Fevereiro que parte da última contagem da ONU e a revê em alta, até esse momento a guerra tinha feito pelo menos 470 mil mortos e quase dois milhões de feridos. Explicando não ter como averiguar as baixas no terreno, a ONU anunciou em 2014 que ia parar de tentar contar mortos e feridos – a sua última estimativa era de mais de 100 mil. Entretanto, os responsáveis da organização começaram a referir-se a mais de 250 mil mortos e, mais recentemente, a 300 mil.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma ONG ligada à oposição e com uma rede de médicos e activistas espalhados pelo país, já contabilizava em Setembro mais de 400 mil mortes (estas são as confirmadas, o grupo diz que o número real será de 430 mil). A crise síria provocou já também pelo menos 4,8 milhões de refugiados (e milhões de deslocados internos dependentes de ajuda humanitária para sobreviver).

“Tenho pedido ao secretário de Estado [americano John] Kerry e ao lado russo para tentarem restaurar o cessar-fogo para que possamos fornecer assistência humanitária vital […] aos cinco milhões de pessoas que se encontram nas zonas cercadas e de difícil acesso”, diz ainda à emissora alemã o diplomata sul-coreano. Ban vai ocupar o cargo de secretário-geral até ao fim de Dezembro, altura em que deverá ser substituído por António Guterres (falta a votação final, na Assembleia-Geral da ONU, já na quinta-feira, dia 13).

Estados Unidos e Rússia negociaram um acordo que permitiu a entrada em vigor de um cessar-fogo no início de Setembro. Apesar de ter durado uns dias – dias em que não foram registadas mortes em grande parte do território –, a trégua nunca foi totalmente cumprida; uma das obrigações de Assad era permitir o acesso de ajuda às zonas cercadas, incluindo Alepo. Quando os camiões da ONU finalmente tiveram autorização para se dirigir à cidade foram alvo de um ataque aéreo.

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