A mulher que viveu como um rapazinho

Virgem Prometida é uma reflexão sobre a “identidade de género” no mundo moderno: uma rapariga recusa-se a um casamento “arranjado” renunciando à sua feminilidade e fazendo uma jura de virgindade para o resto da vida.

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Primeira longa-metragem da italiana Laura Bispuri, Virgem Prometida é uma reflexão sobre a “identidade de género” no mundo moderno, feita a partir de ecos de um mundo arcaico.

O mundo arcaico é representado aqui por tradições da ruralidade albanesa que vêm do fundo dos tempos: uma rapariga pode recusar-se a um casamento “arranjado” renunciando à sua feminilidade e fazendo uma jura de virgindade para o resto da sua vida. Foi o que fez a protagonista, Alba Rohrwacher (que conhecemos de Maravilhas, assinado pela sua irmã Alice), que desde jovem, e para fugir ao casamento preconizado pelo padrasto, passou a viver como um rapazinho, e com uma identidade masculina. Muitos anos depois, assaltada por uma consciência da enorme violência da sua condição, foge para Itália, onde já estava há muito tempo, e plenamente aculturada, a sua meia-irmã. O filme, entrecortado por flash-backs apresentados quase como se fossem a exposição de um trauma, é essencialmente a narração desta viagem e consequente vacilação e recomposição de uma identidade feminina.

Virgem Prometida é, seguramente, um filme “certo”, muito calculado e muito rigoroso, sem passos em falso – e deve ser isto aquilo que, se o torna particularmente apto a servir de motivo para debates temáticos, provoca alguma exasperação quando tomado apenas como objecto de fruição cinematográfica. Falta arrojo, falta vontade de desafiar os seus próprios fundamentos, por exemplo através da exacerbação do instinto melodramático (para onde o emprego da música, que até é interessante, por vezes parece apontar). Vale essencialmente pelo “estudo de personagem”, pela lenta transformação de uma mulher terrivelmente condicionada (são bonitos os momentos em que ela descobre aqueles pequenos e quase fúteis toques, o make up por exemplo, comuns nas mulheres europeias), correctamente interpretada por Rohrbacher, ainda que o seu rosto quase sempre fechado pareça fazer muita força para salientar uma ideia de “interioridade” que abafa mais a personagem do que eventualmente deveria.

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