Faz um vistão, a seguir desaparece

A adaptação ao cinema do êxito de livraria de Paula Hawkins, A Rapariga no Comboio é uma máquina de emoções bem oleada mas descartável.

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A Rapariga no Comboio: simples máquina de emoções

Não há muito como dar a volta ao facto de que, se Alfred Hitchcock fosse vivo, chamaria um figo ao best-seller de Paula Hawkins – os seus temas recorrentes (o inocente em perigo, o falso culpado, o macguffin que só está lá para despistar) estão todos aqui.

A própria premissa do filme daria pano para mangas – a história de um desaparecimento misterioso contado pelo ponto de vista de uma suburbana a caminho do emprego (Emily Blunt) que viremos a perceber não ser tão de confiança como parece. Só que, primeiro, Tate Taylor não é Hitchcock (embora o realizador de As Serviçais e Get On Up cumpra o caderno de encargos que lhe é pedido com apreciável eficácia e assinalável desembaraço). E, segundo, Taylor também não é David Fincher, porque A Rapariga no Comboio nunca consegue ejectar a sensação de ser um “aproveitamento” do sucesso de Em Parte Incerta, substituindo a impiedosa entomologia Chabroliana daquele por uma dimensão de “montanha russa” mais próxima do thriller americano anos 1980 (exemplificado por De Palma no seu melhor ou Adrian Lyne no pior).

É o mesmo tipo de construção em quebra-cabeças, de “golpe de teatro” constante que obriga a repensar por completo a trama, só que aqui esticando a corda ao ponto da inverosimilhança. Um cineasta mais inspirado seria capaz de pegar nisto e passar por cima dos buracos e da implausibilidade para chegar à sua essência (uma espécie de girl power pós-feminista e anti-misógino), mas Taylor fica-se pela simples máquina de emoções bem apresentada e bem oleada que faz um vistão durante duas horas para desaparecer, como se fosse tinta invisível, logo a seguir.

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