Santos marca fim do cessar-fogo com FARC para acelerar negociações

O Presidente colombiano pôs “uma espada de Dâmocles” sobre o processo de paz. Quer limitar o espaço de acção dos partidários do “não” — com Uribe à cabeça — e manter a guerrilha comprometida.

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AFP/CESAR CARRION

O Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou ontem o prolongamento, até 31 de Outubro, do cessar-fogo entre o Governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Ao mesmo tempo, convocou para uma reunião dois antigos chefes de Estado, Álvaro Uribe e Andrés Pastrana, que lideraram a campanha pelo “não” no referendo, realizado domingo passado, ao acordo de paz, que acabou chumbado pela população.

Santos quis acelerar a agenda, para não permitir que se instalasse um perigoso “limbo” à volta do processo que acabou com uma guerra que durou mais de 50 anos.

A reunião com Uribe, com quem Santos não se encontrava publicamente desde Janeiro de 2011, assumia especial interesse: o actual Presidente da República foi seu ministro da Defesa precisamente no tempo em que a luta entre as forças armadas colombianas e a guerrilha foi levada ao extremo. Uribe não se tem coibido de considerar que Santos é um “traidor” por ter negociado com as FARC.

Os partidários do ‘não’ ao acordo de paz recusam qualquer tipo de imunidade para os guerrilheiros. Exigem que sejam proibidos de assumir quaisquer cargos públicos, que cumpram penas de prisão pelos crimes que cometeram, que o seu dinheiro seja usado para indemnizar as vítimas e as suas famílias, e que não lhes sejam dados quaisquer imóveis.

O acordo previa a desmobilização dos quase seis mil guerrilheiros e a conversão das FARC num movimento político legal e devia ser aprovado em referendo. Mas a maioria (50,21%) dos votantes disse “não” numa eleição que registou 62% de abstenção.

“Espero que possamos avançar para concretizar as disposições e os acordos que nos permitem concretizar a solução para este conflito”, afirmou o Presidente numa comunicação ao país. As equipas negociadoras já voltaram à capital cubana, onde o processo de paz foi discutido durante quatro anos.

Depois da recusa popular do acordo de paz, o Presidente da República diz-se de novo empenhado em voltar a “chegar a um acordo e ao sonho de toda a Colômbia de acabar com a guerra”.

A declaração de que prolongava o cessar-fogo gerou alguma confusão. O comandante-chefe das FARC, Rodrigo Londoño (Timochenko), ironizou no Twitter: “E ntão depois dessa data continua a guerra?”

O cessar-fogo bilateral tinha sido decretado a 25 de Agosto, no dia a seguir à conclusão das negociações. O cessar-fogo entrou em vigor a 29 de Agosto e foi cumprido desde então. O documento só foi assinado de forma solene por Juan Manuel Santos e Rodrigo Londoño (Timochenko), o comandante-chefe das FARC, a 26 de Setembro em Cartagena das Índias. Segundo os termos da negociação, seria permanente (o cessar-fogo caducava no dia da aprovação do acordo em referendo, passando a haver paz, mas isso não aconteceu).

Ao definir uma nova data, Santos deixou claro que um retrocesso não está em cima da mesa e que não quer que as novas negociações se arrastem — a data mostra o grau de urgência e de pressão que existe e exige decisões rápidas; Santos quer aproveitar o momento de grande abertura por parte das FARC e da sua liderança. Mas, ao mesmo tempo, o Presidente quer manter Uribe e Pastrana — que chegaram ao palácio presidencial ontem ao fim do dia, na hora portuguesa — sem grande margem para manobras contra o acordo de paz e não só — sobretudo Uribe, que aproveitou a vitória do “não” no referendo para se perfilar como candidato à presidência em 2018.

“A data pende agora como uma espada de Dâmocles sobre quem tem a responsabilidade de encontrar uma solução: os promotores do ‘não’, as FARC e o próprio Governo”, lia-se numa análise na BBC.

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