Megaprocesso “Gürtel” expõe a cultura de corrupção dentro do PP

Depois do caso Nóos, que pôs em causa a infanta Cristina e o marido, Iñaki Urdangarin, começou agora o julgamento de um escândalo que envolve altas figuras do partido de Rajoy

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O ex-tesoureiro do PP, Luis Bárcenas,à chegada ao tribunal em Madrid Reuters/SUSANA VERA

Enquanto o PSOE se debate com o dilema de provocar terceiras eleições ou deixar passar um Governo do Partido Popular (PP), este enfrenta um Outono judicial carregado, com o regresso aos tribunais de escândalos de corrupção que o afectam. Começou na terça-feira a ser julgado na Audiência Nacional, em Madrid, a primeira parte do megaprocesso da “rede Gürtel”, com 37 acusados e que põe em causa figuras do PP.

A investigação foi iniciada em 2007. Após mais de sete anos de instrução, o processo tem mais de um milhão e meio de folhas. Os valores em causa nos concursos e contratos públicos irregularmente concedidos atingem mais de 354 milhões de euros e a acusação pede um total de 740 anos de prisão para os réus. A acusação solicitou também ao tribunal que Mariano Rajoy seja ouvido como testemunha, enquanto vice-presidente do PP na época dos delitos.

A figura central é Francisco Correa, que no fim dos anos 1990 terá concebido e dirigido a rede até à sua detenção em 2009. “Gürtel” quer dizer “correia” em alemão. A acusação pede uma pena de 125 anos de prisão. Mas ele declara-se disposto a “colaborar com a Justiça” e vai devolver mais de dois milhões de euros que tinha num banco suíço. Esteve em prisão preventiva entre 2009 e 2012.

Políticos em foco

Um réu incómodo para o PP é Luis Bárcenas, ex-tesoureiro do partido e “guardião dos seus segredos financeiros”, acusado de delitos fiscais. Chegou a ter escondidos na Suíça 48,2 milhões de euros, alegadamente do PP, tendo-se apropriado pessoalmente de quase 300 mil. Bárcenas terá agora de responder pela origem desses fundos, parte dos quais terá vindo da rede de Correa. Esteve 19 meses em prisão preventiva e a acusação pede uma pena de 42 anos de prisão.

A rede funcionou sobretudo nas comunidades autónomas de Madrid e Valência, com ramificações em Castela e Leão, e em vários serviços públicos. O julgamento agora iniciado apenas diz respeito ao governo regional de Madrid, então presidido por Esperanza Aguirre, destacada dirigente do PP, e a vários municípios. Aqui a figura crítica do PP é Alberto López Viejas, antigo vereador da Limpeza em Madrid e depois conselheiro dos Desportos da comunidade, sob Aguirre. Ana Mato, ex-ministra da Saúde, é acusada de “participação a título lucrativo”, isto é, terá beneficiado, mesmo sem o saber, do produto de delitos do seu ex-marido, o antigo senador e autarca Jesús Sepúlveda, que colaborava com Correa. Note-se que Aguirre não foi processada, tal como Ángel Acebes, ministro em todos os Governos de Aznar e depois presidente do PP, que esclareceu perante os magistrados um financiamento para a compra de um jornal.

Menos impunidade

Correa, um antigo paquete de hotel, começou organizar eventos e campanhas eleitorais do PP. Depois, a partir das suas relações, terá concebido um sistema de subornos a políticos do partido e funcionários para obter contratos públicos, não apenas para as suas empresas mas também para outros interessados que lhe pagavam comissões. Financiou também muitos eventos em campanhas eleitorais. Para iludir o fisco, montou uma rede de empresas fictícias e criou contas em paraísos fiscais. Terá defraudado o fisco em 22 milhões de euros.

Quais os efeitos políticos do processo “Gürtel”? É muito incómodo para o PP sobretudo se houver eleições em Dezembro. Mas não terá provavelmente uma repercussão directa. Os espanhóis são os europeus que mais crêem que toda a sua classe política é corrupta — os escândalos atingem tanto o PP como o PSOE e o partidos regionais, como antiga Convergência e União, de Jordi Pujol — o que dilui as responsabilidades. Os últimos anos marcam no entanto uma viragem: há hoje, graças aos tribunais, menos impunidade.

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