A paz na Colômbia segue dentro de momentos

Os dois lados envolvidos no acordo que foi rejeitado pelos eleitores, Governo e FARC, anunciaram o regresso à mesa das negociações e mantiveram o optimismo num final feliz.

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Guarda presidencial em Bogotá: Juan Manuel Santos convocou todos os partidos para discutir o referendo Mario Tama/Getty Images/AFP
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Presidente fala ao país após reunião. Álvaro Uribe faltou ao encontro Colombian Presidency/Handout via Reuters
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Imprensa colombiana reflecte o resultado do referendo AFP/LUIS ROBAYO

Não há nada, mas mesmo nada, no último processo democrático colombiano que indique que o país prefere o regresso do conflito a um futuro em paz. “Todos, sem excepção, querem a paz”, lembrou o Presidente colombiano, Juan Manuel Santos, depois de ultrapassado o choque com a inesperada – e surpreendente – vitória do “não” no referendo de domingo. O resultado não mergulhou o processo na “incerteza” e muito menos no “limbo”, recusaram os negociadores de ambos os lados e concordam os observadores: apenas significa que a paz não será alcançada exactamente nos moldes previstos no acordo assinado pelo Governo de Bogotá e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

A guerra entre o Estado e a guerrilha marxista acabou e não serão os votos de 54 mil pessoas que a vão ressuscitar. Essa foi a diferença entre aqueles que disseram que “sim” ao processo negociado durante quatro anos em Cuba (49,78%), e aqueles que não aceitam que as FARC possam converter-se numa organização política legítima, com representação parlamentar, ou que os seus membros possam beneficiar de um sistema de justiça e reparações que não passe pela prisão (50,21%).

Juntos, os 12.808.836 colombianos que foram às urnas manifestar a sua opinião sobre o acordo de paz compõem 40% do eleitorado, e 27% da população do país (cerca de 47,12 milhões). A abstenção de mais de metade dos eleitores, e o intervalo reduzido entre quem apoia e quem critica o processo não retiram a validade democrática ao processo. “Ouvi aqueles que votaram não, e ouvi aqueles que votaram sim”, interpretou Santos, que rejeita que a sua legitimidade política, como chefe de Estado e como promotor do processo de paz, tenha sido posta em causa pelo plesbicito. Não vai, por isso, demitir-se.

É inegável que a vitória do “não” colocou o Presidente colombiano e o líder das FARC, Rodrigo Londoño ou Timochenko, numa posição incómoda e, mais do que isso, embaraçosa. Os dois esforçaram-se por sacudir a pressão, afastar as dúvidas e recuperar o optimismo que rodeou a cerimónia de assinatura do acordo de paz na cidade de Cartagena, há apenas cinco dias – mesmo se vários dos líderes internacionais presentes no acto, principalmente os latino-americanos, lamentassem publicamente a “oportunidade perdida” e o “resultado decepcionante” do referendo.

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As FARC estão disponíveis para regressar à mesa negocial para “rectificar” o acordo, anunciou Timochenko esta segunda-feira. “Mantemos a nossa vontade de paz e reiteramos a nossa disposição de usar exclusivamente a palavra como arma de construção do futuro”, declarou, confirmando que a renúncia ao conflito armado que foi o ponto de partida das negociações. “Quem na Colômbia sonha com a paz fique a saber que pode contar connosco”, acrescentou, a partir de Cuba.

Santos enviou a sua equipa de negociadores imediatamente de volta a Havana, o território neutro onde se desenrolou todo o processo de diálogo. Além disso, o Presidente convocou para uma reunião urgente “todas as forças políticas, e particularmente aquelas que se manifestaram pelo não”, como o Centro Democrático de Álvaro Uribe, o ex-Presidente conservador que foi o grande obreiro da “reviravolta” eleitoral (todas as sondagens previam a vitória do “sim”) e que não compareceu ao encontro. Político pragmático que é, Santos viu uma “oportunidade” nas declarações de Uribe, que exigiu um “grande pacto nacional” que permita corrigir o que disse ser a “grande decepção dos textos de Havana” e a “grande ilusão da paz”.

Também é verdade que o desfecho do referendo coloca na berlinda Álvaro Uribe. Como escreveram vários comentadores, o ex-Presidente soube, melhor do que Santos, explorar a polarização da sociedade colombiana e aprofundar a desconfiança com um movimento que, em 50 anos de conflito, foi responsável por mais de 260 mil mortes (do Exército, dos seus membros e das suas vítimas), pelo desalojamento de seis milhões de pessoas e pela expansão do narcotráfico na Colômbia. O conservador teve o cuidado de nunca dizer abertamente não à paz – mas os seus discursos inflamados não deixavam margem para o diálogo: o que ex-Presidente exigia não era o “perdão”, era a “capitulação” absoluta das FARC.

Analisando os resultados do referendo, constata-se que as regiões de fronteira, aquelas que foram mais directamente afectadas (e durante mais tempo) pelo conflito, foram onde a votação mais pendeu para o “sim” ao acordo de paz. Ficam claras as fracturas da Colômbia, e também qual das campanhas soube afinar a mensagem e aproveitar essas divisões: Álvaro Uribe e o seu partido Centro Democrático, que capitalizou com a ansiedade do eleitorado urbano, com a impopularidade da guerrilha e com o sentimento de vingança em vez de reconciliação. “Insistimos em correcções para haja respeito pela Constituição; em justiça para que não se desrespeitem as instituições. Consideramos que o pluralismo político não pode ser percebido como um prémio para o delito, e entendemos que a política social não pode pôr em risco a honorabilidade”, reforçou Uribe.

O mesmo Uribe que, em Junho de 2005, assinou a Lei Justiça e Paz que incluía uma amnistia que beneficiou as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), grupos paramilitares de extrema-direita conhecidos como os “esquadrões da morte” e que não foram punidos pelas atrocidades cometidas durante as décadas em que estiveram activos. Essa polémica legislação, que mereceu a crítica da ONU e das organizações internacionais de direitos humanos, não foi submetida à apreciação popular, ao contrário do que aconteceu agora.

 

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