Indústria reage a corte de 60 milhões nos subsídios e pede reunião ao Governo

Revisão do regime da interruptibilidade acordada entre o PS e o Bloco de Esquerda poderá reduzir rendas financiadas pelos consumidores de electricidade.

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Mecanismo criado pelo governo socialista de Sócrates fez com que consumidores paguem cerca de cem milhões de euros por ano a diversas grandes empresas Adriano Miranda

Os alarmes soaram na indústria no começo do Verão, quando o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, reconheceu que o Governo estava a avaliar os subsídios que este ano vão custar cerca de 102 milhões de euros aos consumidores de electricidade. Com as notícias mais recentes de que o PS e o Bloco de Esquerda acordaram reduzir em 60 milhões os encargos dos portugueses com estas remunerações pagas a empresas como a Siderurgia Nacional, a Sonae Indústria, a Renova, a Navigator, a Solvay, ou a Celbi, os industriais já estão a reagir.

O PÚBLICO sabe que a CIP - Confederação Empresarial de Portugal já pediu para ser ouvida no Ministério da Economia e que o encontro com a tutela está para breve. A consequência de se mexer neste regime – baptizado como interruptibilidade – é a provável deslocalização de algumas empresas, dizem os industriais.

Para já, sabe-se que a intenção do executivo é mesmo a de alterar o regime criado no tempo de José Sócrates (com Manuel Pinho na pasta da Economia) para que os efeitos das alterações se reflictam nas tarifas da electricidade do próximo ano. “O Governo está a aguardar da Direcção-geral de Energia e Geologia [DGEG] uma proposta de portaria de revisão do mecanismo para que as alterações sejam incorporadas nas tarifas de 2017”, disse ao PÚBLICO o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches. A ERSE apresenta a proposta tarifária da electricidade em meados de Outubro, coincidindo habitualmente com a apresentação do Orçamento do Estado.

Essa é também “a expectativa do Bloco de Esquerda”, a de que as alterações aos contratos de interruptibilidade e a redução do número de entidades abrangidas por eles possa “beneficiar as tarifas da luz já no próximo ano”, adiantou o deputado bloquista Jorge Costa, que faz parte do grupo de trabalho com o PS, onde também participa o secretário de Estado. A meta é uma redução de “cerca de 60 milhões” deste encargo anual, confirmou outro membro do grupo de trabalho, o deputado do PS Carlos Pereira.

Na prática, a interruptibilidade – que no ano passado custou 110 milhões de euros - serviria para que, em caso de necessidade de aliviar o consumo na rede eléctrica, as diversas unidades industriais pudessem suspender a produção para evitar um apagão, sendo ressarcidas por isso. Mas, segundo a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a REN, que faz a gestão administrativa, técnica e operacional do regime, nunca precisou de tomar essa opção.

Além disso, o sistema de verificação de disponibilidade do serviço também não terá sido cumprido. O Governo pediu à DGEG que “identificasse as entidades que beneficiam do regime e que averiguasse porque é que nunca foram dadas as ordens de redução de potência” obrigatórias para verificar que as empresas estão efectivamente disponíveis para prestar o serviço, adiantou Seguro Sanches.

Fora destas contas deverá ficar, no entanto, a Siderurgia. O Bloco afasta qualquer cenário que ponha em causa a viabilidade da empresa detida pelos espanhóis da Megasa. A Siderurgia, que representa cerca de 2,5% do consumo nacional e que recebe o maior subsídio, conseguiu negociar com o Governo, em 2013, um aumento depois de ameaçar tirar do país a produção das fábricas da Maia e do Seixal, pondo em causa cerca de 700 empregos.

A empresa espanhola anunciou em Julho investimentos de 52 milhões de euros nas duas unidades de produção. Numa visita à fábrica do Seixal, o ministro da Economia destacou que a Siderurgia é uma das maiores exportadoras do país e que, através dela, Portugal exporta para 42 países. Mas Caldeira Cabral também destacou o facto de esta grande consumidora de electricidade ter conseguido optimizar “o seu consumo, trabalhando fora dos picos”.

Na mesma semana em que o ministro da Economia sinalizou a revisão do regime da interruptibilidade, também o presidente da ERSE, Vítor Santos, admitiu no Parlamento que, caso fosse solicitada ao regulador uma recomendação sobre o tema, esta seria a de que estes incentivos passassem a ser atribuídos por concurso, “como acontece noutros países”. Tratando-se de uma questão política e não de regulação, o legislador teria sempre de fazer “a ponderação entre os objectivos de política energética e os objectivos de política industrial”, reconheceu o regulador.

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