Universidades continuam a contratar mais os professores que elas próprias formaram

Prática é conhecida como endogamia académica e o Conselho Nacional da Educação diz que coloca em causa a equidade e mérito nas carreiras. Mais de dois terços fizeram doutoramento na mesma instituição onde dão aulas, revela estudo do conselho.

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Adriano Miranda/Arquivo

A contratação de docentes pelas universidades usando a figura do professor convidado tem sido responsável pela manutenção da tradição de as instituições contratarem para dar aulas pessoas que elas próprias formaram. Esta prática conhecida como endogamia académica atinge mais de dois terços dos professores universitários doutorados, revela um estudo incluído no relatório Estado da Educação, que é apresentado esta segunda-feira pelo Conselho Nacional da Educação (CNE).

A investigação conclui que 67,2% dos professores doutorados que trabalham nas universidades foram formados na própria instituição de ensino onde trabalham. São 2508 dos 3734 professores do ensino superior. Estes níveis de endogamia são considerados “preocupantes” pelos autores do estudo, Orlanda Tavares e Cristina Sin, investigadoras no Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior, e Vasco Lança, técnico superior na Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).

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Põe em causa "princípios de equidade e de mérito"

Esta prática representa, para o presidente da CNE, David Justino, a ”expressão de uma cultura tradicional universitária que tende a reproduzir os mecanismos de poder e dependência académica em que os insiders têm sempre vantagem sobre os outsiders, os discípulos sobre os estranhos, pondo em causa os princípios de equidade e de mérito no acesso às carreiras”. No entanto, não é a primeira vez que esta questão é suscitada por uma investigação, já que, num relatório de 2006, a OCDE tinha considerado a endogamia um “sério problema” que dificultava o desenvolvimento do ensino superior.

Três anos depois, a lei de recrutamento dos professores foi mudada para responder ao problema, mas a alteração não conseguiu mexer com “as práticas institucionais instaladas”, dizem agora os autores do estudo publicado pela CNE. O grande problema identificado é o recurso recorrente por parte das instituições de ensino superior à “carreira informal” de professores convidados, que “reforça o recrutamento endogâmico”.

“Alguns destes professores são convidados por pertencerem à rede de doutorados produzidos pela própria instituição, por serem conhecidos”, sublinha aquele documento, acrescentando que a “precariedade inicial” destes docentes pode ser mais tarde “recompensada” aquando da abertura de concurso para entrada na carreira.

A endogamia é só um “sintoma” de um problema “mais profundo”, defende o presidente da direcção do Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), Gonçalo Velho. “Os convidados passaram a 'jornaleiros', lecionando cargas horárias acima de qualquer razoabilidade e sem espaço para a investigação”, denuncia. Esta prática desenvolveu-se “devido ao advento da crise financeira que veio dificultar a abertura de concursos para lugares de ingresso na carreira”, explica João Cunha Serra, dirigente da Fenprof.

“As limitações orçamentais e a incerteza sobre o futuro levou as instituições a evitarem o mais possível compromissos duradouros com novas contratações, enveredando pela solução mais flexível”, acrescenta.

Avaliadas dez universidades

Esta investigação avaliou dez universidades portuguesas e encontrou taxas mais altas nas duas universidades nacionais mais antigas, a Universidade do Porto, fundada em 1911, e a Universidade de Coimbra, de origem medieval. As taxas de endogamia identificadas por este estudo são de 82,4% e 75,6%, respectivamente. Os autores associam a prevalência de práticas de endogamia precisamente com o facto de estas serem as universidades mais velhas.

No entanto, há outras duas universidades bastante mais jovens entre aquelas que apresentam maiores níveis de endogamia. São elas a Universidades dos Açores (74,8%) e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (73,6%). Nestes dois casos “a hipótese da antiguidade perde terreno em favor da hipótese da insularidade”, lê-se no artigo, lembrando a localização geográfica de ambas as instituições. 

Contudo, e tal como o próprio tem em consideração, esta explicação deveria levar a que a outra instituição de ensino superior situada num dos arquipélagos, a Universidade da Madeira, e a Universidade da Beira Interior, tivessem resultados semelhantes. No entanto, não é isso que acontece, já que estas são as duas instituições que apresentam os mais baixos índices de endogamia, situando-se nos 42,4% na instituição madeirense e nos 57,7% na universidade sediada na Covilhã.

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