Perdão a Snowden seria Obama a dizer “fizemos mal” e a defender o seu legado

O mundo “vai precisar de mais whistleblowers”, dizem activistas no lançamento da campanha a favor de uma amnistia. Sem eles, diz Snowden, os EUA seriam “um país menos livre e menos americano”.

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Snowden, na conferência de lançamento da campanha pelo perdão AFP

Faltam 126 dias para Barack Obama deixar a Casa Branca. “Esta é precisamente a altura para agir. Os Presidentes tomam as decisões mais difíceis dos seus mandatos nos últimos meses. E este é o tipo de decisão que fala sobre a coragem da pessoa sentada na Sala Oval”, diz Anthony Romero, director da ACLU. “Casos destes são exactamente a razão pela qual existem os perdões presidenciais”, defende.

A poderosa associação americana de defesa das liberdades cívicas organizou com a Human Rights Watch e com a Amnistia Internacional uma conferência de imprensa em Nova Iorque que teve a participação de Edward Snowden, a partir de Moscovo, e foi seguida por jornalistas em todo o mundo. Snowden, com 33 anos, a viver na Rússia desde os 30, é acusado de espionagem e roubo de documentos públicos por ter passado informações sobre o programa de vigilância massivo da NSA (Nacional Security Agency) dos Estados Unidos a jornalistas.

Snowden recusa pedir directamente a Obama o perdão. “Não o faço e nunca o farei.” Mas gostava de voltar aos EUA. “Amo o meu país. Amo a minha família. E dediquei a minha vida a ambos. Eu sabia que enfrentava estes riscos mas ninguém devia ser colocado na posição de tomar esta decisão. Claro que quero voltar a casa, mas não me posso sujeitar a ser julgado como um espião”, explica.

O denunciante continua desconfortável quando o tema é a sua vida, mesmo com a estreia do filme de Oliver Stone com o seu nome, que coincidiu com o lançamento da campanha para pressionar Obama a perdoá-lo. A petição está online (pardonsnowden.org) e foi publicada com muitas assinaturas: Timothy Edgar, académico e ex-membro da equipa de segurança nacional da Casa Branca; Steve Wozniak, co-fundador da Apple; o reitor da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, Erwin Chermerinsky; o ex-responsável da CIA Barry Eisler; a eurodeputada Sophie in’t Veld; Noam Chomsky ou o actor Martin Sheen, a artista Laurie Anderson e o escritor Michal Cunningham.

Ao contrário do que aconteceu com casos anteriores de apelos a um perdão presidencial, explicaram os activistas na conferência de imprensa, este faz-se de forma pública e através de uma campanha global. “As implicações globais das suas revelações tornam-no diferente”, explicou Romero.

As denúncias de Snowden beneficiaram os tribunais (onde já foram julgados casos que estas tornaram possíveis), o Congresso (que já mudou leis), os parlamentos de países europeus (onde se aprovaram reformas), as empresas de tecnologia (que agora se esforçam por defender o direito à privacidade dos seus clientes) e dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo, enumerou o director da ACLU, mas também Dinah Pokempner, da Human Rights Watch, e Naureen Shah, da Amnistia.

Por tudo isto, a conversa sobre este perdão, diz Romero, “não deve acontecer entre Snowden e a Casa Branca, mas entre o povo americano e a Casa Branca. Como se lembrou esta quarta-feira, o antigo procurador-geral (equivalente a ministro da Justiça) de Obama, Eric Holder, disse que Snowden “prestou um serviço público”.

Todos recordaram ainda a “maturidade, humildade e respeito” do jovem analista, ao decidir entregar os documentos a veteranos jornalistas (vencedores de um Prémio Pulitzer com o trabalho) que puderam avaliar o seu interesse público e garantir, junto da Administração e das agências de segurança, “que não punham ninguém em risco”.

Um sinal ao mundo

Regressar aos EUA sem um perdão é impensável para Snowden porque isso significaria provavelmente passar o resto da vida na prisão. Apesar de reconhecida e protegida pela lei internacional, a figura do whistleblower não goza de um regime especial na legislação americana. Em tribunal, Snowden seria julgado de acordo com a Lei da Espionagem, e “isso impede que um whistleblower tenha um julgamento justo” ou se defenda.

Snowden quer que o filme de Oliver Stone sirva para “levar a discussão a uma audiência ainda maior”, lembrando que “às vezes, os governos estão a redesenhar as fronteiras dos nossos direitos nas nossas costas” e, por algum motivo, “o sistema de controlos e equilíbrios de poder pensado pelos fundadores não está a funcionar”. É nesses caso, defende, que “um whistleblower, outro garante desse equilíbrio, se torna no último recurso da democracia, aquele que contamos quando todos os outros falham e o público está às escuras”.

Sem eles, diz Snowden, os EUA seriam “um país menos livre e menos americano”. Se hoje sabemos sobre os abusos das autoridades na violação da nossa privacidade em nome da segurança, “não sabemos como vai ser a vigilância nos EUA e no resto do mundo daqui a 15 ou 20 anos”, afirma Naureen Shah. “Precisamos de mais Edward Snowden.”

Para Snowden, o perdão seria a liberdade. E para Obama? “Uma forma de dizer ‘esteve Governo fez mal, manteve as pessoas às escuras, agiu sem defender a Constituição’. E tendo em conta que se trata do Presidente que mais denunciantes acusou, seria também uma forma de proteger o seu legado, de dizer a futuras administrações que não é assim que tratamos quem protege os interesses do país”, resume Romeno. Shah defende que Obama daria “ao mundo um sinal profundo de defesa dos direitos humanos”.

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