As 28 “quimeras” de Narcos segundo o filho de Escobar

A segunda temporada da popular série da Netflix tem um crítico de peso: Juan Pablo Escobar.

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Juan Pablo Escobar recordava o pai, em entrevista ao PÚBLICO em 2015, como um homem violento na profissão, mas afectuoso com a família Nuno Ferreira Santos

Narcos, a série do Netflix que retrata a vida de Pablo Escobar, tem sido um sucesso mundial e Portugal não é excepção (por estes dias, até a PSP aproveitou a popularidade de Narcos para um dos seus posts no Facebook). Mas há quem aponte imprecisões factuais à segunda temporada, que teve estreia mundial em Setembro no serviço de streaming. As mais fortes chegam do filho de Pablo Escobar, Sebastian Marroquín – nome que adoptou depois de 1993, quando o pai foi morto numa operação das autoridades colombianas em articulação com as suas congéneres norte-americanas.

O filho mais velho de Escobar recorreu à sua página no Facebook para defender a honra do seu país e a “verdade dos incidentes que ocorreram entre os anos 80 e 90”, face aos “erros sérios” de uma série que sugere estar a contar a verdadeira história.

Não é a primeira vez que Sebastian Marroquín critica a série que retrata a vida do pai, um dos maiores traficantes de droga de que há registo. Quando Narcos estreou, criticou a alegada recusa da produção em aceitar a sua ajuda e até a escolha do actor para dar corpo a Pablo Escobar, o brasileiro Wagner Moura. Desta vez, as críticas chegam numa lista de 28 pontos, que abarcam questões tão diversas como a equipa de futebol favorita do pai, os protagonistas da história, os pormenores da sua morte ou a dinâmica da sua família. Afinal, “se os argumentistas não conseguem sequer saber qual a equipa favorita de Pablo, como é que se atrevem a contar o resto de uma história e a vendê-la como verdade?”, questiona Marroquín logo no segundo ponto.

Ao contrário do que Narcos relata, Marroquín afirma que Escobar não enviou um radiotelefone aos familiares – que se encontravam num hotel, sob protecção policial, depois de ter falhado a tentativa de se mudarem para a Alemanha – através de um qualquer contacto e que ele, a sua mãe, Maria Victoria Henao, e a irmã, Manuela Escobar, usavam os telefones do hotel Tequendama.

“Eu desligava o telefonema cada vez que ele me ligava para o proteger, mas ele tornou-se caprichoso e manteve-se mais tempo do que seria prudente em linha, sabendo que seria localizado. ‘O telefone é a morte’, disse-me ele durante toda a vida. Por isso é que não queria falar comigo, porque eu lhe desligava a chamada. Depois, pedia para falar com a minha mãe e irmã. (…) O telefonema foi para dizer adeus, para prolongar ao máximo possível a última chamada, com uma intenção clara de ser localizado no dia e no local que escolheu para a sua última batalha (…). O meu pai matou-se a ele próprio, como disse dúzias de vezes", conta. No mesmo ponto, sublinha que "Carlos Castaño liderou essa operação final, não houve participação de nenhuma autoridade internacional”.

Marroquín lembra que Carlos Henao era seu “tio materno e não um traficante de droga como é retratado na série”. “Na realidade, ele era um grande homem, trabalhador, honesto, nobre e um bom pai de família. Era um grande amigo da minha mãe. (…) Nunca foi condenado na Colômbia ou em qualquer outro país. Era um vendedor de bíblias, acrílicos e esfregonas (…). Não era um traficante e a Netflix está a denegri-lo a ele e a todos nós, a sua família inteira, com total impunidade e tranquilidade. (…) Quão triste é que a Netflix tenha mostrado tantos cadáveres com os cartazes de Los Pepes pendurados e, no entanto, se tenham esquecido de publicar imagens do meu tio Carlos torturado (…)? Mas ainda não satisfeitos com isso colocaram-no noutra altura e noutro local da história do meu pai, fazendo parecer que a sua morte foi consequência legítima de um confronto directo com a polícia”, argumenta.

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O filho de Escobar, de 39 anos, sublinha ainda que uma das personagens que aparecem nesta segunda temporada era, de facto, bem mais próximo da família do que a série mostra. “Lemón era um empregado de Roberto, também conhecido por Osito, irmão mais velho do meu pai. Trabalhou para ele durante 20 anos como motorista. (…) Mas enquanto empregado de Roberto, e sendo Osito colaborador da DEA [Drug Enforcement Administration, a agência norte-americana de combate às drogas], conseguiu extrair informação em primeira mão sobre o modus vivendi e as ambições do meu pai. O Osito nos dias finais do meu pai – tristemente e de maneira desleal – colaborou com os serviços de informação em favor da DEA e de Los Pepes, para localizar o seu irmão, mulher e filhos.”

Outro dos erros apontados é que Escobar “nunca matou pessoalmente nenhum Coronel Carrillo [comandante das forças especiais da polícia]”. Assim como a imagem do “conforto” vivido pela famílias a seguir à fuga de La Catedral, a prisão que Pablo contruiu para si próprio e onde se encontrava formalmente detido, dispondo de TV, banheira, lareira e até colchão de água, segundo uma publicação do New York Times à data. “Vivíamos em favelas, não em mansões”, desmistifica.

Sebastian Marroquín enumera ainda imprecisões nas datas atribuídas aos acontecimentos, dando como exemplo os ataques bombistas de Escobar, que a série situa em 1993 quando na realidade aconteceram entre 1988 e 1989. “Um bocadinho fora do tempo para o meu gosto, não acham?”

O herdeiro de Escobar não deixa também esquecer que a sua avó paterna “traiu” o filho Pablo e se aliou ao filho mais velho, Roberto, negociando com a milícia Los Pepes e colaborando tão activamente que permitiu ambos, a sua avó e o seu tio, continuassem a viver pacificamente na Colômbia. “Os que eram leais ao amor pelo nosso pai continuam a viver em exilio”, continua. “Gostaria de ter a versão tão 'querida' da minha avó que pintam na série.”

Para além de factos parcialmente incorrectos ou mal catalogados no tempo e no espaço, Marroquín denuncia histórias falsas, tratadas como factos reais, como o caso da história do “Leão” de Miami, que diz ser mentira. “Ele não vivia nos EUA. Era um homem absolutamente fiel e corajoso ao serviço do meu pai. Morreu depois de ser raptado e torturado em Medellín. Caiu a lutar em nome do meu pai, mas nunca vendeu [droga] como mostram na série.” O mesmo repete sobre a caracterização da sua mãe, mulher de Escobar. “A minha mãe nunca comprou ou usou uma arma. É tudo mentira. Nunca disparou”, assevera.

Nas restantes observações e críticas a Narcos, o filho do narcotraficante corrige dados sobre o número de mortes na fuga de La Catedral, por exemplo. “Não houve um grande confronto, apenas morreu um guarda prisional”, detalha. Ainda nas “ressuscitações”, Marroquín afirma que nenhum jornalista foi morto à entrada do Hotel Tequendama. Já quanto a mortes, o filho do traficante de droga mais famoso da actualidade reconhece que Escobar era implacável, mas também perdoava. Tal como tentou fazer no último minuto com um dos seus sócios, Moncada, mas já tarde demais, num dos crimes “determinantes” na queda de Escobar.

Repetindo a crítica à imagem que a série desenha da vida de Escobar, lembra que “nos seus dias finais” Escobar “estava sozinho”. “Não estava rodeado de bandidos como mostram na série. Aliás, a maior parte do grupo de criminosos (…) tinham-se rendido ou estavam mortos”.

“O mundo está de pernas para o ar e é claro que toda a gente conta as histórias como quer contar. E elas têm sucesso, ainda que algumas sejam más. Mas, bem, todos têm uma versão”, conclui, “e sabem onde encontrar a [versão] real”, termina, com um link para os livros que escreveu sobre o pai.

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