Cavalgada microbiológica mostra bactérias a adaptarem-se aos antibióticos

Cientistas fizeram uma corrida de bactérias com concentrações crescentes de antibióticos, mostrando que o espaço é tão importante como as mutações para a sobrevivência destes microorganismos.

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O meio de cultura rectangular tinha concentrações cada vez maiores de antibiótico da perifeira para o centro, mas as bactérias conseguiram conquistar esta arena Escola Médica de Harvard

Os cientistas chamaram-lhe “arena”, mas não é mais do que uma caixa de Petri anormalmente grande: em vez dos recipientes redondos e achatados com dez centímetros de diâmetro, que fazem parte de qualquer laboratório que estuda bactérias, esta “arena” é rectangular e tem 1,2 metros de comprimento, 60 centímetros de largura e 1,1 centímetros de altura. Os investigadores preencheram-na com uma camada de meio de cultura para bactérias e nas extremidades colocaram bactérias da espécie Escherichia coli. Depois, observaram uma cavalgada microbiológica que mostrou, de forma inédita, como as limitações espaciais das colónias de bactérias e as mutações genéticas de cada indivíduo influenciam a adaptação destes microorganismos aos antibióticos.

Esse fenómeno foi possível observar porque o meio de cultura da arena estava dividido em nove colunas com concentrações diferentes de antibiótico. Nas duas extremidades do rectângulo não havia nenhum antibiótico, mas caminhando para o centro da arena, a concentração de antibiótico ia aumentando gradualmente sempre por um factor dez. Os rectângulos adjacentes às extremidades tinham uma concentração de antibiótico suficiente para travar as Escherichia coli, os rectângulos seguintes já tinham dez vezes mais antibiótico, os outros 100 vezes mais e a coluna do meio tinha 1000 vezes mais antibiótico do que a primeira.

No entanto, em pouco mais de 11 dias, as colónias de bactérias conseguiram viajar da periferia até ao centro da arena. Para isso, sofreram mutações que lhes permitiram crescer e reproduzir no meio com antibiótico. As que estavam na frente da cavalgada conseguiram, desta forma, romper, barreira atrás de barreira, os rectângulos com concentrações crescentes daquela substância. O resultado, publicado nesta sexta-feira na revista científica Science, pode ajudar na luta contra os microorganismos resistentes aos antibióticos, um problema de saúde pública cada vez mais preocupante.

“Sabemos bastante sobre os mecanismos internos de defesa usados pelas bactérias para resistirem aos antibióticos mas não sabemos muito sobre os movimentos físicos que exibem no espaço para se adaptarem e sobreviverem aos diferentes ambientes”, explica Michael Baym, investigador da Escola Médica de Harvard, nos Estados Unidos, citado num comunicado daquela instituição. O cientista é um dos autores do artigo, que contou ainda com investigadores do Instituto de Tecnologia Technion-Israel, em Haifa, Israel.

Harvard fez um pequeno vídeo resultante de fotografias tiradas à arena durante os 11 dias. Nele é possível ver as colónias preencherem inicialmente os dois rectângulos das extremidades sem antibiótico. No entanto, quando chegam à fronteira do primeiro rectângulo com baixas concentrações de antibiótico (que pode ser trimetoprim ou ciprofloxacina, consoante as experiências) o seu desenvolvimento pára. Mas de repente, como se houvesse um furo numa barragem e a água começasse a sair por ali, a colónia começa a crescer, a partir de um determinado ponto na fronteira, invadindo o novo rectângulo.

Estes fenómenos vão sucedendo-se até as bactérias conquistarem todo a arena. No fim, os investigadores fizeram estudos de genomas de várias bactérias retiradas em locais diferentes da arena para verificar quais as mutações importantes na adaptação da Escherichia coli.

A equipa descobriu que foram surgindo várias mutações contra os antibióticos ao longo da cavalgada. Apesar destas mutações permitirem às bactérias invadir os rectângulos com o antibiótico mais concentrado, elas eram mais lentas a crescer e multiplicar-se. Ou seja, o metabolismo ficava um pouco comprometido. Mas passado algum tempo, surgiam mutações secundárias, que aceleravam o metabolismo e o crescimento ganhava vapor.

Os cientistas verificaram ainda que não eram as bactérias mais adaptadas que saltavam para novos rectângulos e ganhavam a corrida. Muitas vezes, surgia uma bactéria muitíssimo adaptada mas não estava na linha da frente. Estava mais atrás, onde o meio de cultura já estava gasto e estava fisicamente impedida pelo resto da colónia, que a rodeava, de se propagar. Por isso, apesar de menos aptas, as bactérias na linha da frente que resistiam aos antibióticos podiam continuar a desenvolver-se.

“O que vimos foi que a evolução nem sempre é liderada pelos mutantes mais resistentes”, explica Michael Baym. “Os que conseguem chegar primeiro é mais pelo local onde estão inicialmente do que pela força da sua mutação.”

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