A casa dos horrores

Um exercício de série B onde a bússola moral se desorienta muito para lá da simples mecânica do género.

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Um filme que tira o tapete debaixo dos pés ao espectador
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Entre The Conjuring 2, Lights Out, Águas Profundas e este Nem Respires, 2016 parece estar a ser um bom ano para a série B de género feita nos EUA (mesmo que, e isto é importante, dirigida por realizadores que não são americanos). Talvez o que haja de mais interessante nesta segunda longa do uruguaio Fede Alvarez, “afilhado” de Sam Raimi, seja precisamente o modo como essa pose all-American do modelo do filme da “home invasion” é erodida por dentro. Nem Respires está constantemente a tirar o tapete de baixo dos pés do espectador: a trama acompanha um trio de ladrões procurando roubar a casa altamente guardada de um militar cego que perdeu a filha, mas fá-lo desorientando de tal modo a bússola moral que pelo final a única certeza que temos é que ninguém é inocente e que os fins não justificam os meios.

Tudo se passa em Detroit, cidade economicamente devastada, erguida a exemplo das consequências do capitalismo selvagem. O militar cego (Stephen Lang, o vilão de Avatar) é uma autêntica “máquina de guerra” cuja casa aferrolhada - a única que ainda está habitada num bairro abandonado - encerra segredos muito mais escuros do que pertence. Rocky (Jane Levy), a rapariga que é o centro do gangue, não tem especial vontade de a roubar mas aceita fazê-lo para poder fugir do seu beco sem saída. Rocky está muito longe de ser a “final girl” tradicional dos filmes de terror, a miúda que sobrevive a tudo – mas Nem Respires também não é exactamente um filme de terror, mesmo que se estruture à volta do que se revela aos poucos ser uma “casa dos horrores”, um “buraco negro” entrópico que tudo aspira à sua volta. (Nesse aspecto, curiosamente, partilha um mesmo dispositivo e uma mesma lógica narrativa com 10 Cloverfield Lane, jogando a seu favor com as limitações do espaço fechado.)

Há que reconhecer a eficácia económica da mise en scène de Alvarez, perdendo o tempo estritamente necessário para montar o andaime antes de avançar para a pièce de résistance (a exposição essencial preenche apenas os primeiros 15 minutos, o filme não chega à hora e meia). Há um notável plano coreográfico que funciona como visita guiada ao espaço e reconhecimento dos elementos que irão ser posteriormente reaproveitados, e a partir daí Nem Respires engrena uma metódica e inexorável velocidade de cruzeiro onde tudo o que acontece obedece às regras do género, mesmo que não as cumpra necessariamente na ordem que seria expectável. É um exemplo de como alguns dos mais interessantes filmes americanos contemporâneos continuam a vir do “laboratório” do cinema de género.

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