Protestos em Calais: "Não somos racistas mas é o momento de dizer chega"

A auto-estrada foi bloqueada por agricultores e camionistas. População diz que o campo gera insegurança e pressão sobre os recursos.

População queixa-se da pressão do campo de refugiados
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População queixa-se da pressão do campo de refugiados AFP/DENIS CHARLET
Camionistas bloquearam a A16 em Calais
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Camionistas bloquearam a A16 em Calais AFP/PHILIPPE HUGUEN
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O campo alberga cerca de dez mil pessoas, o dobro do que tinha há seis meses PHILIPPE HUGUEN/AFP
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Os agricultores juntaram-se ao protesto Charles Platiau /Reuters
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Um cartaz que expressa o descontentamento da população com a guerra feita à volta dos imigrantes DENIS CHARLET/AFP
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Camiões bloquearam a via de ligação França/Reino Unido Charles Platiau /Reuters

As autoridades francesas estão a pedir a todos os automobilistas para evitarem deslocações até à cidade de Calais, perante o bloqueio das estradas e do acesso à área portuária e ao túnel da Mancha organizado esta segunda-feira por camionistas, agricultores, estivadores e residentes em protesto contra a expansão do campo de migrantes e candidatos a asilo que se tornou conhecido como a “Selva”.

Os manifestantes exigem a fixação de uma data definitiva para o desmantelamento do campo, onde se julga estarem instalados entre sete mil e dez mil pessoas à espera de uma oportunidade de seguir para o Reino Unido, entre as quais pelo menos 400 crianças separadas da família. A promessa já foi feita várias vezes pelas autoridades francesas: depois de uma operação parcial de demolição, há seis meses, o número de “residentes” duplicou.

Às primeiras horas da manhã tornou-se claro que o protesto iria provocar constrangimentos e incómodos “severos” na circulação rodoviária e na transposição da fronteira, alertou a autarca de Calais, Natacha Bouchard, que se encontra do mesmo lado que os manifestantes. “A situação está a tornar-se insustentável e é preciso fazer alguma coisa urgentemente”, frisou, dando eco à “exasperação” dos seus munícipes.

Uma marcha lenta de camiões TIR, tractores e outros veículos pesados impedia completamente a circulação na A16, que dá acesso ao porto de Calais e ao Eurotúnel do canal da Mancha, e ao longo da qual os comerciantes e residentes de Calais formaram um cordão humano, envergando faixas e cartazes de protesto a exigir medidas urgentes.

“Temos um grupo a sair de Dunquerque e um segundo grupo a partir de Boulogne. Estamos determinados em mostrar o nosso desagrado com a situação. Ficaremos pelo tempo que for preciso”, informou o líder do maior sindicato de camionistas francês, FNTR, Jean-Pierre Devigne, entrevistado pela BBC na manhã desta segunda-feira. As recomendações municipais, no sentido de evitar a circulação pela auto-estrada bloqueada, só eram válidas para esta segunda-feira. No entanto, os manifestantes não põem de parte a hipótese de manter o bloqueio em vigor, por tempo indeterminado, para pressionar o Governo a agir.

Segundo os sindicalistas e os responsáveis municipais, o campo de migrantes coloca em risco a segurança da população e a economia local, que se ressente da pressão sobre os serviços sociais representada pelos migrantes. “Ultrajados, feridos e martirizados”, é assim que se sentem os moradores de Calais, a acreditar nos cartazes que exibem nos vidros dos estabelecimentos comerciais e de muitos dos veículos participantes na marcha lenta desta segunda-feira.

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A "selva" de Calais, fotografada em Agosto deste ano AFP

“Não somos racistas nem apoiantes da Frente Nacional. Compreendemos que esta é uma questão humanitária, e que as pessoas [na “Selva”] vivem na miséria. Mas nós vivemos numa insegurança total. E este problema é cada vez mais grave, pois os migrantes estão a tornar-se cada vez mais agressivos. Chegou o momento de dizer já chega”, dizia o dirigente local do sindicato de agricultores FDSEA, Jean-Pierre Clipet, a The Guardian. A referência à Frente Nacional não é inocente – o partido de extrema-direita liderado por Marine Le Pen obteve uma vitória histórica em Calais nas regionais do ano passado.

Nos últimos meses, à medida que cresce a população da “Selva” (vinda sobretudo do Norte de África, do Médio Oriente e do Afeganistão), aumentam também as denúncias de violência, assaltos e vandalismo na cidade. “É inaceitável que, nos dias de hoje, não se possa circular pelo acesso a uma cidade francesa sem sentir medo e sem ter garantias de que não seremos atacados”, lamentava Antoine Ravisse, o presidente da associação empresarial Grand Rassemblement du Calaisis.

Os camionistas queixam-se dos ataques protagonizados por gangs de marginais ou mafias de tráfico de seres humanos, que tentam usar os seus veículos para fazer entrar migrantes no Reino Unido. Como contam, os veículos são muitas vezes apedrejados em plena marcha, atingidos por cocktails molotov ou obrigados a desviar-se de obstáculos como troncos de árvore ou contentores de lixo. O objectivo é fazer parar os camiões o tempo suficiente para conseguir esconder migrantes no seu interior – muitas vezes rasgando as lonas que protegem a carga.

Os “estratagemas” levaram a um reforço da segurança e das inspecções de veículos de carga na fronteira – que por sua vez provocam atrasos significativos nas viagens entre os dois países, por causa do controlo apertado do transporte de mercadorias e até de viaturas de passageiros. Dirigentes das associações de transportadoras e transitárias britânicas expressaram a sua solidariedade, mas também a preocupação com os possíveis “efeitos secundários” do bloqueio, em termos de importações e exportações. Os trabalhadores da zona portuária também dizem que a segurança está comprometida pelas “intrusões constantes” de migrantes em áreas de armazém ou de embarque de carga.

Já os agricultores criticam o impacto que as “defesas” erigidas para impedir o acesso de migrantes à zona do Eurotúnel ou do porto de Calais está a ter sobre os seus terrenos: um membro do sindicato Coordenação Rural dizia que as queixas incluem o derrube de vedações por parte dos residentes da “Selva”, que depositam lixo e outros detritos em áreas agrícolas, ou que caminham por terrenos lavrados e destroem as colheitas. “O campo tem de ser fechado, estas pessoas têm de sair daqui porque estão a destruir o nosso cultivo. Isto vai acabar mal”, diz Pierre-Yves, de 47 anos, que se juntou à marcha lenta na A16 no seu tractor.

Em comunicado, a fundadora da organização de ajuda Care4Calais, Clare Moseley, distinguia entre a população migrante e os grupos criminosos que se aproveitam da situação instalada em Calais, e sublinhava que a demolição ou o desmantelamento do campo não impedirão os refugiados de continuar a procurar o local. “Os refugiados vêm porque não têm outra hipótese: eles fogem da guerra e da perseguição. Destruir as suas casas não resolve nada e só contribui para tornar as condições em que vivem ainda mais desumanas”, considerou.

O ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, insistiu no domingo que os planos para o desmantelamento gradual do campo e o realojamento da população instalada na “Selva” não foram abandonados pelo Governo, mas assinalou que esse processo tem de ser levado a cabo “de forma controlada” até ao final de 2017.

 

 

 

 

 

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