Rudisha ganha de novo, quatro anos depois, Lavillenie não

Queniano garante ouro nos 800m e francês perde, em reviravolta espectacular, o título para o brasileiro Thiago Braz da Silva

Thiago Brás da Silva protagonizou a reviravolta da noite e celebra a vitória no salto com vara
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Thiago Braz da Silva protagonizou a reviravolta da noite e celebra a vitória no salto com vara Reuters
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Shaunae Miller venceu os 400m Reuters
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David Rudisha repetiu o triunfo nos 800m Reuters

As finais desta madrugada no atletismo olímpico colocavam, como sempre, várias questões a resolver, mas talvez a mais generalizada seria a de saber se o queniano David Rudisha, que fora o herói dos Jogos de 2012 ao correr sempre na frente os 800m para o recorde mundial vigente de 1m40,91s, iria repetir o título. Algo que na história das duas voltas à pista havia sido conseguido pelo britânico Douglas Lowe, em 1924/28, pelo americano Mal Whitfield, em 1948/52, e pelo neozelandês Peter Snell, em 1960/64.

E, já agora, se sim, como o iria fazer. É que, em 2015, nos Mundiais de Pequim, e em plena recuperação de um período de crise em que atipicamente fora derrotado várias vezes, Rudisha concedeu ao rivais uma prova táctica e lenta, mesmo assim acabando na frente, com mais cinco segundos do que havia feito em Londres. As eliminatórias no Rio tinham revelado um pouco do segredo quanto a isso. Rudisha quis fazer as corridas na frente, ao melhor estilo do “antigamente”, e na meia-final, quando o polaco Adam Kczszot tentou adiantar-se-lhe para a corda aos 600m logo lhe travou o passo, estugando o andamento.

A final de segunda-feira decorreu como previsto. Só com a pequena excepção de o queniano Wilson Kipketer ter feito um pouco de lebre para o seu compatriota, o que levou a uma passagem aos 400m em 49,23s, quase igual à de Londres. Rudisha colocou-se na frente aos 450m e foi sempre forçando até partir todo o pelotão e levar com ele apenas o campeão olímpico dos 1500m, o argelino Taoufik Makhloufi, e o francês Pierre- Ambroise Bosse. Mas o metro de vantagem do queniano à entrada da recta final foi esticando substancialmente, tendo Makhloufi sido quem mais resistiu, mas sem impedir a vitória de Rudisha com um tempo “à antiga” de 1m42,15s – a melhor marca mundial do ano por larga margem. Makhloufi bateu o recorde argelino, em segundo, com 1m42,61s, e como tantas vezes tem acontecido a vários níveis, Bosse deixou escapar a medalha de bronze para o jovem americano Clayton Murphy (1m42,93s) que teve uma recta final espantosa. Portanto, temos David Rudisha de volta aos melhores momentos.

Para a final do salto com vara todos os olhos estavam postos no recordista mundial francês Renaud Lavillenie. Ele também já fora campeão olímpico em Londres há quatro anos, e de todos os títulos possíveis o único que lhe continua a faltar é o mundial de ar livre. Portanto, esta madrugada ele não estava “abrangido pela maldição” dos Mundiais, era o único favorito e tinha uma boa oportunidade de se desforrar do canadiano Shawn Barber, campeão mundial o ano passado em Pequim à frente dele. E também estava livre dos alemães, e em particular de Raphael Holzdeppe, que em Pequim o colocara em terceiro, todos eliminados na qualificação.

Shawn Barber não conseguiu passar logo a 5,65m, numa prova atrasada em mais de meia hora devido à queda de forte bátega de água. E mesmo com condições meteorológicas algo adversas, Lavillenie esperou até aos 5,75m para fazer a fasquia inicial. Passou muito bem, mostrando enorme segurança, e assim continuou, fazendo depois 5,85m e 5,93m com larga margem de folga sobre a barra.

Com três saltos apenas, parecia que o título estava entregue ao francês. O americano Sam Kendricks transpôs também os 5,85m e por aí ficou, assegurando a medalha de bronze, e ficava o brasileiro Thiago Braz da Silva, treinado por Vitaliy Petrov – antigo treinador de Sergey Bubka e Elena Isinbayeva – como único rival do francês.

O que aconteceu a seguir parece deveras impossível. Thiago transpôs também 5,85m ao primeiro ensaio e a 5,93m acabaria por passara à segunda, igualando o seu melhor resultado de sempre. Neste contexto, Lavillenie tinha sempre vantagem sobre ele, e isso foi reforçado com a transposição, sempre à primeira e sempre com larga margem do francês, a 5,98m. Por isso o brasileiro resolveu jogar tudo por tudo, já que tinha pelo menos a prata no bolso, e dispensou os 5,98m e foi tentar 6,03m. Lavillenie, que saltava primeiro, falhou os dois primeiros ensaios a essa fasquia por muito pouco, Thiago não conseguiu a sua primeira por muito. Mas parece que há milagres no Brasil, e no segundo ensaio a 6,03m, Thiago Braz da Silva encontrou o salto perfeito, e transpôs com muita margem de segurança, dando uma reviravolta no concurso como jamais fora vista. Lavillenie não teve outro remédio senão o de gastar o seu último ensaio a 6,08m, e aí falhou claramente. Com uma progressão de dez centímetros numa noite e para dentro da casa dos 6 metros, Thiago Braz da Silva era campeão olímpico e a Renaud Lavillenie caíam, literalmente, os queixos. Convenha-se que não era para menos.

A outra final do dia, a de 400m femininos, também prometia um grande duelo, e ele existiu nessa mesma medida. A jovem e gigante (1,85m) das Bahamas Shaunae Miller desafiava a americana Allyson Felix, que inicialmente quis que fosse mudado o horário olímpico para tentar fazer no Rio 200 e 400m. Essa possibilidade ficou no entanto desfeita, dado que por milésimas Felix foi relegada para o quarto lugar nos trials americanos, e portanto para fora da equipa olímpica nessa distância, por Jenna Prandini. Ficou assim Allyson sem a possibilidade de tentar ganhar uma segunda coroa olímpica consecutiva e numa prova em que foi por três vezes campeã mundial, mas por outro lado tal permitiu-lhe concentrar-se nos 400m, distância em que, em 2015, havia sido clara campeã mundial em Pequim, com o seu recorde pessoal de 49,26s.

Curiosamente Felix e Miller tinha tido, já no domingo, um encontro “antes de tempo” na última meia-final, tendo a americana vencido com 49,67s contra 49,m91s, e sem que este desfecho intercalar fosse demasiado significativo.

Isso mesmo mostrou Shaunae Miller, que correu na pista sete, bem dentro do raio de visão da americana, que saiu na quatro. Miller forçou sempre o andamento como se não houvesse amanhã, entrando na recta final com metro e meio de vantagem sobre a americana, mas esta recuperou passada a passada, vindo a apanhá-la a 40 metros do fim. Pareceu nessa altura que Felix iria passar para o triunfo, mas in extremis Miller enviou o seu corpo gigante em mergulho na procura da linha da meta e esse gesto acabou por lhe dar a vitória, com 49,44s contra 49m51s, enquanto a jamaicana Shericka Jackson ficava com a medalha de bronze, com 49,85s.

Normalmente estes mergulhos para a meta não rendem o esperado aos autores, mas desta vez foi ao contrário, e a talentosa Shaunae Miller ficou longo tempo deitada de barriga para o ar a chorar de felicidade na pista azul cinza do Engenhão.

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Shaunae Miller mergulhou para a vitória Reuters
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