Aviação russa impede avanços rebeldes em Alepo

O regime dependia desde o início do apoio de Moscovo para segurar o cerco à maior cidade do país e o seu aliado parece estar a cumprir. Há suspeitas de um ataque com cloro às mãos do regime.

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Residentes nas zonas cercadas de Alepo incendeiam pneus para impedir novos ataques aéreos. Abdalrhman Ismail/Reuters

A grande ofensiva rebelde lançada no fim-de-semana na tentativa de romper o cerco do regime sobre Alepo vinha sendo travada esta terça-feira por uma campanha sistemática de ataques aéreos russos, que não cessaram durante a noite e permitiram que as tropas aliadas de Bashar al-Assad recuperassem a maioria das posições perdidas na véspera.

“Os insurgentes avançaram, mas não chegaram a consolidar as suas posições”, explica à AFP o director do Observatório Sírio para os Direitos Humanos, uma organização oposicionista sediada no Reino Unido, em contacto com uma vasta rede de activistas no terreno. As bombas russas, diz, “permitiram ao regime recuperar cinco das oito posições conquistadas pelos rebeldes”.

Mas isto não quer dizer que os rebeldes de Alepo, liderados pelos seus poderosos grupos islamistas, tenham abandonado os esforços de romper as linhas do regime, ou, como muitos dizem ser o seu grande objectivo, cortar as rotas de abastecimento que levam à cidade, centradas no bairro Ramoussa. Fala-se em mais de cem mortos nos dois lados.

O regime recapturara na terça-feira o complexo residencial “Projecto 1070”, que chegou a estar sob o controlo rebelde e tem visão desimpedida para as linhas mais vulneráveis do cerco, assim como algumas colinas nos baldios. Em troca, numa grande acção concertada, os rebeldes dispararam uma salva de rockets contra a base de artilharia de Alepo, em parte incendiando-a.

A campanha desta semana é tão crucial para Assad como para movimentos rebeldes. O Presidente sírio preparava há meses o cerco de Alepo e tem nas linhas da frente perto de cinco mil soldados, incluindo combatentes do Hezbollah libanês e militares iranianos. Para os rebeldes, por outro lado, esta pode ser a última oportunidade de se preservarem em Alepo.  

Alguns observadores argumentavam que o desfecho das operações, que se antecipa que possam durar dias, ou até semanas, seriam decididas pela qualidade do apoio aéreo russo, que os residentes de Alepo tentam obstruir queimando dezenas de pneus ao longo do dia, criando uma espessa neblina negra que tolda a visão dos pilotos.

Bombardeamento de cloro?

Médicos e equipas de resgate no lado rebelde do conflito sírio afirmam que uma cidade nos arredores de Alepo, próxima do local onde na segunda-feira um helicóptero russo foi abatido, foi atingida durante a noite de segunda-feira por barris com gás de cloro, que provocaram a hospitalização de cerca de 30 pessoas, a maioria com dificuldades respiratórias.

Os primeiros alertas vieram das equipas de resgate, os Capacetes Brancos, que operam nas zonas rebeldes mas dizem-se independentes – funcionam essencialmente como o mais próximo que existe de serviços médicos de emergência em algumas partes do país. A organização divulgou um vídeo em que mostra pessoas a receber oxigénio num hospital improvisado.

Os Capacetes Brancos não atribuíram culpas, mas os rebeldes apontam o dedo ao regime de Bashar al-Assad e à aliada Rússia, que, dizem, pode ter agido como represália pelo abate do seu helicóptero. Tanto Assad como os rebeldes são repetidamente acusados de usar químicos como arma de guerra – o cloro é proibido pela Convenção de Armas Químicas.

Segundo as equipas de resgate, os barris foram lançados por helicópteros, operados apenas pelo regime e Moscovo. Um médico confirmava-o à BBC esta terça-feira. “Sabemos que é cloro porque já fomos atingidos antes e estamos familiarizados com o seu odor e sintomas”, disse Abdel Aziz Bareeh. “Temos 28 casos confirmados. A maioria são mulheres e crianças.”

Os alegados barris atingiram Saraqeb, nos arredores de Alepo, onde esta terça-feira tropas aliadas a Assad e uma aliança de rebeldes travavam ainda batalhas violentas perto das linhas do cerco do regime. Observadores relatam dezenas de vítimas em ambos os lados, para além de civis, mas as linhas territoriais estão mais favoráveis para Damasco, que conseguiu recuperar algum fôlego em redor das suas linhas de aprovisionamento.

A agência estatal SANA respondia esta terça-feira em nome do regime, voltando as acusações contra os rebeldes e dizendo que tinham sido eles a matar cinco pessoas e ferir outras oito na cidade antiga de Alepo com ataques químicos. As tropas do regime têm um vasto historial de uso de gás cloro na guerra civil, denunciado por várias agências humanitárias, que, contudo, não estão no terreno. Apesar disso, existem registos fotográficos e vídeo de contentores lançados pelo regime.

O mesmo acontece com grupos rebeldes como a ex-Frente al-Nusra, agora Frente Fateh al-Sham, o grupo mais poderoso na ofensiva anti-regime em Alepo, de quem já se suspeitou ter fábricas de armas químicas na vizinha Turquia. Os ataques mais devastadores aconteceram nos subúrbios de Damasco, em Agosto de 2013, onde morreram centenas de pessoas – possivelmente perto de 1500, incluindo dezenas de crianças.

O ataque em Ghuta quase precipitou uma intervenção externa comandada pelos Estados Unidos, evitada apenas por intervenção da Rússia, que, juntamente com o aliado sírio, assegurou a destruição dos depósitos de armas químicas do regime, principalmente o agente nervoso sarin, usado neste e outros ataques.

As duas equipas das Nações Unidas enviadas para a Síria para investigar os ataques químicos não atribuíram culpas a rebeldes ou ao regime, como se esperava, mas concluíram que o gás Sarin usado em Ghuta e outros locais proveio do stock de Bashar al-Assad. A ONU concluiu que, noutras instâncias, grupos rebeldes usaram pequenas doses de armas químicas. 

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