UE diz apoiar Governo e Estado de direito, não Erdogan

Próximas semanas já eram determinantes para a aprovação do fim de vistos para os turcos num Parlamento Europeu céptico do acordo para travar a chegada de refugiados à Europa.

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Erdogan, este domingo, no funeral de um dos mortos na tentativa de golpe Aris Messinis/AFP

Quem precisa mais de quem? A União Europeia da Turquia ou o inverso? A assinatura, em Março, de um acordo que prevê que o Governo turco impeça os refugiados sírios (são pelo menos 2,7 milhões no país), e outros, de deixarem o país a caminho da UE (em troca de muito dinheiro e não só) mostrou como Bruxelas precisa de Ancara, com ou sem Recep Tayyip Erdogan na Presidência, com mais ou menos abusos de direitos humanos. De legalidade muito suspeita, e condenado por muitos, da ONU a membros do Parlamento Europeu, o acordo está em vigor.

Em geral, os líderes europeus aplaudiram o fracasso do golpe de Estado militar que pôs em risco o Governo do AKP (partido da Justiça e do Desenvolvimento). Mas a repressão com que Erdogan e o seu AKP estão a reagir, aproveitando para limpar (a expressão é mesmo essa) a eito chefias militares e juízes não deixa ninguém confortável. A situação da Turquia está na agenda da reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros, inicialmente convocados para debater o combate ao terrorismo, já esta segunda-feira em Bruxelas.

No papel, o chefe do Governo é Binali Yildirim, mas na prática, quem manda é Erdogan. Aliás, foi ele que escolheu Yildirim, em “total harmonia” com as suas políticas. Em troca, este prometeu-lhe fazer avançar o sistema presidencialista que o coroaria – Erdogan chegou à chefia de Estado em 2014, depois de dois mandatos como primeiro-ministro, decidido a mudar a Constituição para continuar a governar e centrar os poderes executivos no Presidente.

“A UE apoia totalmente o Governo democraticamente eleito”, lia-se no primeiro comunicado divulgado pelo bloco de países, pouco depois de conhecida a tentativa de golpe militar. A UE, acrescentava-se, também apoia “as instituições do país e o Estado de direito”. Quando já era certo que o golpe fracassava e que quem sairia, uma vez mais, triunfante era mesmo Erdogan, a Alta Representante da União para a Política Externa, Federica Mogherini, pedia “um regresso rápido à ordem constitucional e aos garantes da separação de poderes, assim como das liberdades fundamentais”. Uma mensagem dirigida obviamente aos vencedores.

O que a UE não pode mesmo apoiar é Erdogan, apesar de alguns observadores acreditarem que Bruxelas tem cartas para jogar, pelo que não há razões para temer que o líder turco possa usar (ainda mais) o seu controlo da rota do Mediterrâneo para a Grécia e Balcãs para ignorar avisos à contenção e à repressão dos opositores.

Linhas vermelhas

Numa entrevista no domingo, Horst Seehofer, o aliado da chanceler Angela Merkel na Baviera, assumia que a resposta repressiva ao golpe fracassado está a fazer com que tenha cada vez mais dúvidas sobre o fim dos vistos para os turcos que queiram viajar para a UE, como ficou prometido no acordo sobre os refugiados. Em declarações à televisão pública ARD, Seehofer lembrou que já era céptico antes dos últimos dias “e agora [estas dúvidas] tornaram-se ainda mais fortes”.

“Isto também é um teste para o Governo turco, para o Estado turco”, acrescentou Seehofer.

Restam poucas dúvidas de que, no imediato pelo menos, Erdogan (o Governo é Erdogan) vai mesmo “utilizar esta oportunidade para atacar as regras democráticas, limitar a liberdade de expressão e os direitos fundamentais”, como dizia temer logo depois do golpe o presidente do Parlamento Europeu, Martin Shultz.

Como o fim dos vistos depende da aprovação dos eurodeputados, por uma vez, um acordo político decidido pelos líderes europeus pode mesmo enfrentar obstáculos concretos colocados pelo Parlamento. A existirem linhas vermelhas, estas serão provavelmente a reinstaurarão da pena de morte para executar os golpistas ou a detenção dos deputados curdos que perderam a imunidade em Maio. Se uma destas medidas avançar, talvez os parlamentares europeus se virem mesmo contra o acordo.

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