Dez ideias para ajudar Passos a pensar sobre a decisão de Barroso

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A decisão de Durão Barroso de aceitar o convite do Goldman Sachs foi muito criticada, mas Pedro Passos Coelho disse que tem “alguma dificuldade em compreender as críticas”. Aqui vai uma pequena ajuda.

1. É uma má ideia porque o Goldman Sachs não é um banco qualquer. É o gigante da banca de investimento que mais directamente pode ser responsabilizado pela sobrevalorização dos activos e permanente fuga para a frente que nos levou à crise, e que foi durante anos apresentado como o banco capaz de “maquilhar contas públicas”. É acusado de o ter feito para a Grécia. Quando chegou a São Bento, o próprio Barroso terá sido aconselhado por Silvio Berlusconi a usar esses “serviços” (que ignorou). É um banco com um braço político, que aconselhou empresas e Estados (e mal). É mais do que um banco com má reputação.

2. É má ideia porque Barroso sabe que os 18 meses de cooling-off — ou luto — impostos pela União Europeia (que Barroso cumpriu) já são considerados insuficientes. A tendência é impôr intervalos cada vez mais longos — no Canadá exigem-se cinco anos para os ministros. A prática mostra que quanto mais rápida é a passagem pela "porta giratória” que separa o público do privado, mais provável é o ex-governante influenciar os processos de decisão em benefício do novo patrão. Daqui a cinco anos, a agenda de contactos de Barroso não seria muito útil ao Goldman Sachs.

3. É uma má ideia porque, sendo legítimo prosseguir a vida profissional depois de deixar um cargo de poder, há muitas formas de os ex-líderes se reinventarem. Como as fundações, os think tanks, a academia ou as Nações Unidos. Não é preciso ser-se secretário-geral da ONU. Jorge Sampaio tinha 66 anos quando saiu de Belém e foi nomeado Enviado Especial da ONU para a Luta contra a Tuberculose e a seguir Alto Representante para a Aliança das Civilizações. Barroso não é o primeiro ex-presidente da Comissão Europeia a ir para a banca (houve três), mas é o único a fazê-lo directamente.

4. É má ideia porque, sendo legítimo querer ganhar muito bem, há inúmeras opções clássicas e indolores. Uma delas é a “carreira” das conferências. Hillary Clinton recebeu do Goldman Sachs 675 mil euros por apenas três discursos. Juntos, Hillary e o marido, o ex-Presidente dos EUA, ganharam 153 milhões de dólares nos últimos 15 anos só com discursos: fizeram 729. Num único, Bill Clinton recebeu meio milhão de dólares, noticiou há uns meses o Wall Street Journal. Barroso está noutro patamar de honorários e não teria dez anos de convites à sua frente. Mas beneficia — e bem — de uma pensão confortável paga pela União Europeia e esse seria um cooling-off inatacável sob o ponto de vista ético.

5. Catarina Martins diz que a decisão “envergonha o país”, mas isso não é verdade. Quando muito, envergonha-o a si próprio. Esta é uma questão de ética individual e é má ideia também por isso.

6. É má ideia porque uma “transferência milionária” e directa como esta destrói o romantismo que ainda possa subsistir quando olhamos para os líderes europeus como políticos que defendem a coisa pública e a força europeia acima de qualquer outro interesse ou valor.

7. É má ideia porque revela uma enorme insensibilidade política. Não se pede a Barroso que se sacrifique pela Europa, mas era escusado ser o próprio "senhor Europa" a contribuir para prejudicar (ainda mais) a imagem da União.

8. É má ideia porque, se não podemos ficar reféns do que Marine Le Pen e os populistas anti-europeus pensam, não é querer muito pedir que quem liderou a Comissão Europeia durante dez anos prossiga o seu caminho de forma coerente, em defesa da Europa. Não é difícil pensar em traição do ideal europeu, por místico que isso possa soar.

9. É má ideia porque é uma utopia acreditar que, como chairman, Barroso vai “moralizar” ou “melhorar” o Goldman Sachs e a banca de investimentos. Barroso vai ajudar o banco a “dar uma palavrinha” aos líderes de todo o mundo, do modo informal que nestas coisas sabemos ser o preferido de todos — e provavelmente o mais eficaz.

10. Durão Barroso não violou nenhuma regra. A sua decisão expõe no entanto, de forma flagrante, a necessidade de as regras mudarem. Essa é a única boa notícia desta notícia.

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