Luta de galos

A grega Athina Rachel Tsangari filma seis homens num iate a jogarem a um concurso de popularidade tão inútil como revelador.

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Chevalier: a amizade, vai-se a ver, é uma coisa estranha

Estão a ver o Calvinbola? O jogo que o Calvin (sim, o do Calvin & Hobbes) inventou onde as regras não faziam sentido e mudavam sempre que se recomeçava o jogo? Apliquem essa anarquia a um jogo que seis homens num iate decidem começar a jogar, imaginem que os pontos que cada um pode marcar são likes do Facebook, e começarão a perceber melhor o que se joga em Chevalier, terceira longa da grega Athina Rachel Tsangari (Attenberg). Uma “luta de galos” em que seis homens não se conseguem impedir de se degladiarem pelo direito a serem apelidados de “o melhor no geral” - ou seja, de perderem uns quantos dias a provarem que são muito bons em coisas que, na verdade, não interessam nem ao menino Jesus. Estão todos a ver quem tem o pénis maior, mas na verdade mais ninguém está grandemente interessado, ou se está é por pouco tempo.

É fácil dizer que este é um filme de mulher a gozar impiedosamente com os homens – quando, na verdade, a própria equipa é quase toda masculina e o filme é co-escrito por Efthimis Filippou, argumentista de Canino, Alps ou A Lagosta – mas é partir de um pressuposto errado. Aquilo que Tsangari procura são as falhas na fachada, os momentos em que se baixa a guarda e a vulnerabilidade destes seis tipos vem ao de cima. Sim, é um jogo de poder que aqui se joga; uma luta surda de classes e rendimentos e estatutos, entre gente “bem” e gente “menos bem”, entre os senhores do mundo e aqueles que apenas podem sonhar com o que lhes está vedado, culminando num final onde o calculismo e a sinceridade se confundem até já não percebermos qual é qual. (Os acasos da distribuição fazem deste verão de Brexit o momento ideal para vermos Chevalier.) Só que esse concurso de popularidade cala mais fundo do que parece à primeira vista.

Mas isso também não importa. Chevalier é um filme mediterrânico, solar, em constante vai-vem entre o interior e o exterior, a natureza e a civilização, que se refugia no abstracto surrealista para acompanhar uma “experiência laboratorial”. Às tantas, o filme parece cair num beco sem saída, sem ter para onde ir. Mas é exactamente esse o ponto da entomologia desconcertante de Athina Rachel Tsangari: estes jogos de poder rodam em seco, são símbolos da impotência de uma sociedade hipnotizada pela aparência e alheia à profundidade. É um filme que não vai a lado nenhum, mas porque não quer ir a lado nenhum e mesmo que quisesse não tem lado nenhum para onde ir, à imagem das suas personagens que precisam de passar o tempo e não arranjam nada melhor para fazer do que bisbilhotar sobre os outros. A amizade, vai-se a ver, é uma coisa estranha.

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