Clinton faz história com apoio de Obama, mas falta-lhe o abraço de Sanders

"Atingimos um marco histórico", disse Hillary Clinton, sobre o facto de se preparar para ser a primeira candidata à presidência dos EUA por um grande partido. Ganha na Califórnia, mas Bernie Sanders promete continuar a lutar.

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A alegria de Hillary Clinton Drew Angerer/Getty Images/AFP
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Bill e Hillary no palco do discurso de vitória em Brooklyn Lucas Jackson/Reuters
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Bernie Sanders promete lutar até à convenção, em Julho Scott Olson/AFP
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Bernie e Jane, a sua mulher e uma das principais conselheiras de campanha Mario Anzuoni/Reuters
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Donald Trump e a mulher, Melania Mike Segar/Reuters

Agora que chegaram ao fim todas as super, mega e híper terças-feiras que as primárias do Partido Democrata e do Partido Republicano conseguem inventar, os olhos de quem se interessa pelo futuro político dos Estados Unidos da América começam a virar-se para Novembro, o mês em que o mundo vai conhecer o nome do substituto de Barack Obama na Casa Branca.

Depois das vitórias na gigantesca Califórnia e na influente Nova Jérsia, na terça-feira, Hillary Clinton prepara-se para fazer História como a primeira mulher candidata à presidência dos EUA por um grande partido. Pela frente terá dois adversários – Donald Trump, o magnata que promete atacá-la com tudo o que tiver à mão; e ela própria, com a difícil tarefa de agradar aos muitos apoiantes do senador Bernie Sanders que vêem nela apenas mais um tentáculo em Washington dos grandes banqueiros de Wall Street.

Num discurso em Brooklyn, Nova Iorque, onde montou a sua sede de campanha, Hillary Clinton cantou vitória nas primárias deste ano e lembrou, com humor, a amarga derrota de 2008 contra Barack Obama, numa das várias mensagens enviadas aos apoiantes de Bernie Sanders: "Nunca nos sentimos bem quando nos dedicamos a uma causa ou a um candidato em que acreditamos e chegamos ao fim sem ganhar. Eu sei bem o que isso é."

"Graças a vocês, hoje atingimos um marco histórico. A vitória desta noite não é a vitória de uma pessoa. É uma vitória de gerações de mulheres e homens que lutaram e que se sacrificaram para tornarem este momento possível", disse Clinton, numa referência ao movimento sufragista do século XIX, que veio a tornar possível o direito de voto das mulheres nos EUA em 1919.

Este discurso de vitória já era esperado, depois de a agência Associated Press ter avançado, horas antes das votações de terça-feira na Califórnia, Dacota do Sul, Dacota do Norte, Montana, Nova Jérsia e Novo México, que a candidata já tinha conquistado suficientes delegados para ser nomeada na convenção do partido, em Julho.

Mas essas contas incluíam uma categoria de delegados muito controversa, e que não existe, pelo menos com a mesma dimensão, no Partido Republicano – os "superdelegados", 718 congressistas, governadores e líderes das estruturas do Partido Democrata espalhados um pouco por todo o país que podem votar como bem entenderem na convenção do partido.

E é essa prática do Partido Democrata na escolha dos seus representantes que levou Bernie Sanders a não atirar a toalha ao chão no discurso após as votações de terça-feira.

Para o candidato que defende uma revolução política nos EUA e que se apresenta como um socialista democrático à imagem da social-democracia nórdica (aquilo que para a direita radical norte-americana equivale a assumir-se como um perigoso comunista), "a luta vai continuar". Não só até à última votação, na próxima terça-feira, em Washington D.C., mas também até à convenção nacional do partido, que vai ter lugar em Julho em Filadélfia.

"Vamos lutar com todas as forças para vencer as primárias em Washington D.C., e depois vamos levar a nossa luta pela justiça social, económica, racial e ambiental até Filadélfia", prometeu Bernie Sanders num discurso proferido em Santa Monica, na Califórnia.

Mas o senador também deixou claro que tem consciência da batalha que tem pela frente para travar a quase inevitável nomeação de Hillary Clinton, numa resposta às várias figuras do Partido Democrata, como o líder da minoria no Senado, Harry Reid, que sugeriram a Sanders que fizesse contas: "Sou muito bom em aritmética, e sei que a luta que temos pela frente é muito, muito difícil. Mas vamos continuar a lutar por cada voto e por cada delegado que possamos conquistar."

Clinton também resistiu em 2008

Quando falta apenas uma votação, Hillary Clinton tem 2184 delegados que são obrigados a votar nela na convenção e Bernie Sanders tem 1804. Nenhum deles obteve os 2383 necessários para ser visto como o vencedor antes da convenção, mas Clinton conta com o apoio de 571 "superdelegados". Se essa fidelidade se mantiver até Filadélfia (o que é natural, já que a candidata venceu mais estados, mais delegados e mais votos no total do que Sanders nas primárias), Clinton conta, na prática, com pelo menos 2755 delegados, e é por isso que a generalidade dos analistas, dos media e dos líderes do Partido Democrata consideram que ela já garantiu a nomeação.

Mas a resistência de Sanders para reconhecer a derrota e apoiar Hillary Clinton não só era esperada como é normal em corridas tão disputadas como a deste ano – em 2008, Hillary Clinton também se recusou a aceitar as evidências na noite decisiva, e só declarou o seu apoio a Barack Obama quatro dias depois.

Se em 2008 foi Clinton quem forçou Obama a fazer algumas concessões para dizer aos seus apoiantes que votassem no então jovem senador do Illinois, desta vez é ela quem tem de ouvir – e aceitar – algumas das exigências do velho senador do Vermont se quiser ver o partido unido contra Donald Trump.

Como candidato que partiu com poucas hipóteses de chegar a meio da corrida, e que acabou por discutir a vitória quase até ao fim com milhões de jovens e independentes a gritarem "Feel the Bern" a plenos pulmões, Sanders tem toda a legitimidade política para forçar Clinton a comprometer-se com muitas das suas propostas – o aumento do salário mínimo para 15 dólares, a aprovação de medidas mais drásticas contra as alterações climáticas e a diminuição das desigualdades e do papel dos grandes bancos na economia norte-americana, por exemplo.

A pressão sobre Sanders é imensa, e tornou-se ainda mais evidente na declaração do Presidente Barack Obama, que deu os parabéns a ambos os candidatos pelas campanhas que fizeram mas salientou que Hillary Clinton "assegurou os delegados necessários para ser a nomeada do Partido Democrata para a presidência".

"A luta continua", mas...

A questão agora não é se Bernie Sanders irá alguma vez aceitar a derrota e declarar o apoio a Hillary Clinton, mas quando é que isso vai acontecer e em que condições – se passa, por exemplo, pela nomeação de um rosto progressista para a vice-presidência, como a senadora Elizabeth Warren; o senador Tim Kaine, grande amigo de Sanders e que foi muito falado para vice-presidente de Barack Obama em 2008; ou o próprio Bernie Sanders, que, apesar de dizer que "a luta continua", também já garantiu que fará tudo para impedir que Donald Trump seja eleito Presidente.

A pressão sobre o senador do Vermont deverá subir já quinta-feira, quando for recebido por Obama — a pedido do próprio Bernie Sanders. O tema da conversa entre os dois não foi revelado, mas é fácil de adivinhar: o sucesso da campanha do senador e a melhor forma para unir o partido à volta do candidato oficial democrata.

Ninguém sabe o que vai acontecer nas próximas horas, dias e semanas, mas vários líderes do Partido Democrata já apresentaram um cenário que consideram como o ideal para unir o partido e derrotar Trump nas eleições gerais: arranjar espaço no programa de Clinton para muitas das propostas de Sanders e fazer do senador candidato a vice-presidente, o que daria ao Partido Democrata uma dupla feroz contra o magnata que vai representar o Partido Republicano e ajudaria a convencer muitos apoiantes de Sanders a votarem em Clinton.

No lado do Partido Republicano também houve votações na terça-feira, as últimas da fase das primárias – o Partido Democrata ainda vai a votos em Washington D.C. na próxima terça-feira. Mas no caso dos Republicanos já não há dúvidas há muito tempo: Donald Trump está sozinho na corrida e, como seria de esperar, venceu nos cinco estados.

A vitória menos expressiva aconteceu no Dacota do Sul, com 67% dos votos – apesar de já não estarem na corrida, o senador Ted Cruz e o governador John Kasich aparecem nos boletins e receberam os restantes votos. A maior vitória da noite aconteceu em Nova Jérsia, com 81%, e o magnata confirmou também as vitórias na Califórnia (75%), no Montana (74%) e no Novo México (71%).

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