Marcelo veta barrigas de substituição e dá luz verde às 35 horas, mas com avisos

Presidente acha que “não estão salvaguardados os direitos da criança a nascer e da mulher gestante". E avisa que manda lei das 35 horas para o TC, se houver aumento da despesa.

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O Presidente da República decidiu devolver o diploma das “barrigas de aluguer” ao Parlamento, para que este possa acolher recomendações do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Mas a Assembleia da República pode ultrapassar este veto político.

Na mensagem a enviar ao Parlamento, Marcelo cita o parecer do CNECV de Março sobre o projecto de lei do Bloco de Esquerda que deu origem à lei aprovada a 13 de Maio, no qual se considera que “não estão salvaguardados os direitos da criança a nascer e da mulher gestante, nem é feito o enquadramento adequado do contrato de gestação”.

Em concreto, o CNECV quer ver garantidos, desde logo, “os termos da revogação do consentimento, e as suas consequências”, “a previsão de disposições contratuais para o caso da ocorrência de malformações ou doenças fetais e de eventual interrupção da gravidez” e “a não imposição de restrições de comportamentos à gestante de substituição”.

Depois de sublinhar que a votação no Parlamento não correspondeu à divisão puramente partidária – o PSD, por exemplo, dividiu-se e viu 24 dos seus 89 deputados votarem ao lado do PS e do BE, incluindo o seu líder, Passos Coelho – Marcelo devolve o diploma sem promulgação. “Entendo dever a Assembleia da República ter a oportunidade de ponderar, uma vez mais, se quer acolher as condições preconizadas pelo Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, agora não consagradas ou mesmo afastadas”, diz, citando mesmo a declaração de voto do PCP, que votou contra o diploma, no mesmo sentido.

Também sobre o alargamento das técnicas de Procriação Medicamente Assistida a todas as mulheres, Marcelo recorre ao parecer (positivo) da CNECV, agora para sustentar a sua promulgação. Mas também aqui deixa claras as suas dúvidas sobre “a protecção dos direitos da criança”, em concreto sobre a proibição de a criança gerada por esta via vir a conhecer o pai.

“Neste particular, não deixa de suscitar perplexidade, num regime que se pretende inovador e aberto, a manutenção do anonimato, que impede o conhecimento da paternidade, quando vários Estados europeus não só o admitem, como já reverteram anteriores regimes de anonimato. E outros Estados adoptam duplo sistema, com possível autorização de identificação”.

Mas expressa a sua posição, promulga a lei sem condições.

Ameaça de recurso ao TC nas 35 horas

No caso da lei das 35 horas, o Presidente decidiu de forma diferente: promulgou-a, como o PÚBLICO foi avançando, mas deixou em aberto o recurso ao Tribunal Constitucional, em caso de aumento real da despesa. Na nota em que dá conta da promulgação, Marcelo é explícito quanto às dúvidas jurídicas e políticas que tem sobre o diploma – e são várias. Mas opta por dar o “benefício da dúvida”, tendo em conta que o regime já vigorou, que se trata de uma promessa eleitoral e que a lei tem, ela própria, uma norma-travão que impede o aumento de despesa. Norma que Marcelo insta o Governo a cumprir rigorosamente.

“Porque se dá o benefício da dúvida quanto ao efeito de aumento de despesa do novo regime legal, não é pedida a fiscalização preventiva da respectiva constitucionalidade, ficando, no entanto, claro que será solicitada fiscalização sucessiva, se for evidente, na aplicação do diploma, que aquele acréscimo é uma realidade”, conclui o chefe de Estado na nota.

Antes, expusera as suas dúvidas. A nível político, enumera as questões mais relevantes: “a diversidade de regime relativamente aos trabalhadores do sector privado e social, por um lado, e aos trabalhadores do sector público com contratos individuais de trabalho ou com vínculo precário, por outro; o carácter de reversão da reforma legislativa, num tempo em que se não encontram garantidos nem a consolidação das finanças públicas, nem o crescimento económico sustentado”.

Do ponto de vista jurídico, as suas dúvidas são em relação ao “respeito do princípio constitucional da igualdade; o cumprimento da chamada norma-travão, ou seja, da proibição de alterações ao Orçamento do Estado, envolvendo acréscimo de despesas, por iniciativa parlamentar e a potencial modificação da Lei do Orçamento por acto de administração do Governo”.

É nestas últimas que ancora os avisos ao Governo: se a norma-travão for desrespeitada e houver aumento real de despesa, pedirá ele próprio a fiscalização sucessiva (depois de entrar em vigor) da lei. “E, se o aumento for introduzido por acto de administração pode aventar-se potencial inconstitucionalidade por violação da reserva de lei parlamentar”, avisa ainda, tentando refrear alguma tentação do Governo.

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