Peru escolhe entre “a ditadura e a democracia”

Keiko Fujimori, a filha do ex-ditador, é favorita, mas o seu adversário recolhe o apoio da vasta frente anti-fujimorista, que inclui partidos e organizações de defesa dos direitos humanos.

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O último grande protesto contra a candidata Keiko Fujimori Mariana Bazo/Reuters

Os peruanos decidem definitivamente este domingo em quem confiam o futuro do país. A uma semana das eleições, todas as sondagens antecipavam um regresso ao passado, com a vitória de Keiko Fujimori, de 40 anos, filha e herdeira política do antigo ditador Alberto Fujimori. Mas as movimentações de última hora em torno da candidatura do liberal Pedro Pablo Kuczynscki, que passou a atacar formalmente Keiko, denunciando que a sua vitória seria “o regresso da ditadura”, podem ter resultado.

Até ao fim de Maio, Keiko liderava as preferências de voto com 53,1%, contra 46,9% de PPK (como o economista é conhecido), segundo os números da Ipsos para o jornal El Comercio. Os últimos inquéritos (cuja publicação já está proibida no Peru), divulgados no sábado pelo diário El País, apontavam para um empate técnico e nenhum dava mais do que um ponto de vantagem à filha de Fujimori. Para além disso, os números valem o que valem: estudos demonstram que 21% dos peruanos decide o voto apenas no dia da eleição.

A corrida pela luta pela sucessão de Ollanta Humala, o Presidente populista de esquerda que se despede do cargo com uma taxa de reprovação de mais de 80%, é um duelo entre dois concorrentes conservadores de centro-direita: mais do que um confronto ideológico, a campanha na segunda volta foi um choque de personalidades.

Nenhum dos dois é estreante nestas andanças, e se Keiko usufruiu da experiência de já ter estado na recta final da anterior eleição (perdeu na primeira volta, em Abril), o ex-primeiro-ministro PPK beneficiou do facto de ser a última esperança para travar Fujimori. Com efeito, apesar das críticas iniciais, a sua candidatura recebeu o apoio dos vários candidatos que se apresentaram à primeira volta e dos grupos anti-fujimoristas da política peruana – desde a esquerda mais radical aos movimentos sociais-democratas.

Além dos partidos, também organizações de defesa dos direitos humanos fizeram campanha contra Keiko Fujimori, temendo o regresso de um regime que se distinguiu pela corrupção e impunidade, o autoritarismo e graves abusos dos direitos humanos – que levaram, aliás, à condenação de Alberto Fujimori a uma pena de 25 anos de prisão, que se encontra a cumprir. Não por acaso, a campanha de Kuczynscki tem apresentado a segunda volta como uma escolha entre “a ditadura e a democracia”.

Tal como aconteceu na véspera da primeira volta, a 10 de Abril, milhares de pessoas saíram à rua em Lima e outras cidades do país em protesto contra a candidatura de Fujimori. Sob o slogan “Keiko No Va”, a mobilização juntou 50 mil pessoas, incluindo Veronika Mendoza, a candidata presidencial com mais votos à esquerda e que já declarou que vai votar em PPK: “Só há uma maneira de bloquear Keiko e acabar com o Fujimorismo, é votar no seu adversário”. O candidato não participou na marcha, mas vários representantes da sua plataforma Peruanos pela Mudança marcaram presença.

Os mesmos argumentos

Se Keiko vencer ainda assim, o país voltará a ser dominado pelo Fujimorismo  – enquanto candidata, a filha do antigo ditador demarcou-se dos aspectos mais negativos do seu legado, mas no seu círculo de conselheiros continuam as mesmas figuras que trabalharam com o pai (muitos dos quais acusados de corrupção ou com ligações ao narcotráfico). Em Abril, quando Keiko esteve perto dos 50% dos votos que lhe asseguravam a presidência, o seu partido Força Popular conquistou uma confortável maioria no parlamento.

“Muitas famílias apoiam Alberto Fujimori dizendo que foi ele que lhes levou electricidade, construiu estradas ou derrotou os grupos terroristas: são os mesmos argumentos que têm sido usados nos últimos dez anos pela sua filha”, diz numa entrevista à Deutsche Welle, Adriana Léon, do Instituto para a Imprensa e Sociedade de Lima. O Fujimorismo, sublinha, é um fenómeno político que conserva a sua força eleitoral.

Para esta analista, “não é por acaso que Keiko faz campanha nas áreas rurais que os outros políticos ignoram, ou que os seus discursos assumem um tom paternalista e simplificado, repleto de slogans como ‘mão pesada contra os criminosos’, que são muito populares nessas regiões”. Agitar o fantasma do terrorismo ainda é um trunfo eleitoral. “Nada gera maior medo e desconfiança do que a ameaça do terrorismo, que foi um fenómeno tão prevalente durante tanto tempo no Peru.”

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