E se o Movimento 5 Estrelas vencer a câmara de Roma?

Mais de 13 milhões de italianos podem votar em 1348 municípios, mas é nas eleições da capital que se condensa muito do que está hoje em jogo na política italiana, à esquerda e à direita.

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Veronica Reggi encerrou a campanha na Piazza del Popolo Filippo Monteforte/AFP

As diferentes disputas políticas italianas vão a votos em Roma. “Domingo vota-se para as cidades. A verdadeira partida para o Governo só se joga no referendo [constitucional] de Outubro”, afirmou o primeiro-ministro, quase a encerrar uma campanha em que participou o menos que pôde. Matteo Renzi até pode recusar tirar conclusões nacionais destas autárquicas, mas isso não será possível se o seu Partido Democrático perder a capital para o Movimento 5 Estrelas.

Há eleições em 1348 municípios, com a maioria a decidir-se na segunda volta, a 19 de Junho, e as de Roma não são as únicas importantes. Vota-se em Nápoles, Turim, Bolonha ou Milão, a capital económica do país onde o PD ainda tem mais em jogo. Aqui, o candidato é Giuseppe Sala, uma escolha pessoal de Renzi, que o apoiara enquanto comissário da Expo do ano passado. Nas últimas sondagens (só foram autorizadas até 21 de Maio), Pisapia surgia quase empatado com Stefano Parisi, que reúne o apoio de toda a direita – a Força Itália de Silvio Berlusconi (que o convidou), o partido xenófobo e anti-imigração Liga Norte, de Matteo Salvini, e a Aliança Nacional (pós-fascista), de Giorgia Meloni.

Mas é Roma, agora, que mais se aproxima da Itália. Como no país, aqui a direita vai às urnas dividida. Berlusconi apoia Alfio Marchini, que os inquéritos de opinião disponíveis colocam em quarto lugar; a Liga Norte e a Aliança apresentam-se unidas e a candidata é a própria Meloni (que chegou a ser ministra da Juventude de Berlusconi quando este dirigia o Povo da Liberdade). Berlusconi está finalmente em fim ciclo e não tem um sucessor. É Salvini que aspira hoje a coligar toda a direita.

E como nas próximas legislativas – estão marcadas para 2018, mas podem ser antecipadas, já que Renzi faz depender o seu futuro no Governo do resultado no referendo sobre a lei eleitoral –, a vitória em Roma disputa-se entre o PD e o Movimento 5 Estrelas.

Com a direita órfã de líder, o M5S consolidou-se nos últimos anos como o maior partido da oposição ao centro-esquerda. Geralmente surge em segundo nos inquéritos, mas numa sondagem realizada a 10 de Maio para a televisão La7, 28,4% dos italianos disseram que votariam M5S numas eleições nacionais, com 28% a escolherem o PD.

Nas últimas legislativas, em 2013, o partido fundado pelo humorista Beppe Grillo já foi o mais votado, com 25% dos votos, mas ficou atrás das duas coligações, de esquerda e de direita. Simbolicamente, Roma é a batalha decisiva antes do M5S poder aspirar ao poder no país.

Uma cidade ingovernável

Vencer na capital pode ser perder, avisam os analistas. Para um partido quase sem experiência administrativa (a maior cidade que já governou foi Parma), anti-sistema e de protesto, que se afirma sem ideologia (muitas posições de Grillo são de direita, mas a maioria dos seus activistas e candidatos são de esquerda), chegar ao poder em Roma tanto pode funcionar como empurrão antes das legislativas como acabar em pouco tempo com a aura de “diferentes dos outros” que ainda conserva.

A candidata grillini ao governo da quarta maior cidade da Europa é Virginia Raggi (se vencer, será a primeira mulher a governar a capital italiana), uma advogada de 37 anos que até os críticos consideram brilhante, especialista em direitos de autor e novas tecnologias, escolhida pelos apoiantes do M5S numas primárias online.

Como acontece com todos os candidatos do partido, Raggi quase não tem experiência política e era desconhecida até há pouco tempo, mas as últimas sondagens davam-lhe 29%. Roberto Giachetti, candidato do PD com 55 anos, político desde a juventude e actual vice-presidente da Câmara dos Deputados, seguia atrás com 24%. Aqui como noutras cidades, será necessária segunda volta e podem surgir alianças pouco habitais entre os partidos do establishment – o M5S recusa coligações.

O PD partiu para a campanha já em desvantagem, depois de Renzi ter afastado o presidente eleito, Ignazio Marini, entregando a gestão da cidade a uma comissão interina em Novembro. A gota de água foi um caso de alegadas despesas indevidas, mas antes já Marini era acusado de não conseguir estar à altura do cargo. E logo ele, que ajudou a revelar, em 2014, o escândalo Mafia Capitale, o processo em que os romanos descobriram que os seus autarcas (à direita e à esquerda) atribuíam há anos de forma ilegal os maiores contratos públicos da cidade (recolha do lixo, centros de imigrantes…) em benefício de organizações criminosas.

Roma tem hoje uma dívida de 12 mil milhões de euros e “é impossível de administrar”, sentencia o politólogo romano Giovanni Orsina, citado pelo Financial Times.

“A corrupção tem arruinado tudo, esse é o problema principal. Todas as cidades do mundo tentam aplicar a lei, por que é que nós não podemos fazê-lo?”, pergunta Raggi.  Inexperiente, mas “honesta” – “honesta” foi a palavra que mais se ouviu nos comícios de Raggi. Com o eleitorado pouco mobilizado e umas eleições no último dia de uma ponte (quinta-feira foi feriado nacional), a grillini foi a única a arriscar encerrar a campanha numa praça de Roma, com os rivais a realizaram acções mais modestas, em espaços fechados. Quando os primeiros resultados forem divulgados, às 22h, Renzi pode recusar fazer análises para lá da realidade municipal. No dia 19, no fim da segunda volta, será muito mais difícil.

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