No Irão, os dividendos do acordo nuclear tardam em aparecer

O secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, vai inaugurar formalmente este sábado (no passado) a nova delegação da AICEP em Teerão, na sequência do fim ao embargo ao Irão.

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Campo de gás iraniano, um dos negócios mais apetecíveis para as companhias estrangeiras REUTERS/Morteza Nikoubazl

Os hotéis de Teerão estão repletos de homens de negócios que mal podem esperar para dividir entre si as fatias do imenso bolo que é o novo mercado emergente do Irão, bem mais desenvolvido do que a maior parte das nações ricas em petróleo e gás natural mas totalmente isolado desde que que a revolução islâmica de 1979 transformou o país num pária para o Ocidente e boa parte dos seus vizinhos do Médio Oriente.

O que estes potenciais investidores estrangeiros estão a descobrir é que o levantamento das sanções internacionais em troca da limitação supervisionada do programa nuclear iraniano é só uma parte da história.

As barreiras à sua entrada no país incluem as resistências dos dirigentes da linha dura, preocupados com os efeitos da abertura do Irão ao mundo sobre os seus interesses instalados, e o medo dos empresários estrangeiros em ficar refém de sanções residuais impostas pelos Estados Unidos.

Ao abrigo do acordo nuclear, os Estados Unidos e a Europa suspenderam o regime de sanções em Janeiro. Mas muitas outras restrições norte-americanas continuam em vigor. Como por exemplo a proibição de todas as transacções em dólares ligadas ao Irão através do sistema financeiro dos Estados Unidos, ou as sanções sobre indivíduos ou entidades identificadas como apoiantes do “terrorismo patrocinado pelo Estado”.

O principal alvo das sanções anti-terrorismo é o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, que é o braço que garante a estabilidade interna do sistema teocrático e que actua como força de ataque no estrangeiro. Mas a Guarda revolucionária também é um império empresarial, com interesses que vão da construção à banca, e que é especialista em esconder as suas participações.

Empresários, investidores e os principais grupos bancários têm medo que os Estados Unidos os afastem do sistema financeiro internacional se eles se envolverem, por engano, com organismos debaixo de sanções.

A piorar este cenário de instabilidade, dizem os analistas iranianos e os executivos estrangeiros, está a ascensão política de Donald Trump, o magnata norte-americano que já garantiu a nomeação do Partido Republicano para as eleições presidenciais de Novembro, e que ameaçou rasgar em pedaços o acordo com o Irão se for eleito Presidente.

E com tudo isto, os homens de negócios sentem-se bloqueados.

Ligações perigosas

Os executivos estrangeiros em busca de negócio no Irão dizem que quando começam a desenrolar o novelo das participações das companhias que lhes interessam, acabam quase sempre por descobrir uma ligação à Guarda Revolucionária.

Claude Begle, o director executivo da SymbioSwiss, uma empresa de logística e infra-estruturas, diz que um dos seus projectos exploratórios caiu por terra por causa dessa ligação perigosa.

“Nós fizemos todas as diligências e descobrimos que os nomes das instituições que apareciam na lista de sanções da agência de Controlo de Bens Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos não estavam assim tão distantes” do Corpo da Guardas Revolucionária. “Quando olhávamos para o segundo ou terceiro nível da estrutura accionista, os nomes começavam todos a aparecer. Estão todos lá”, diz.

“Encontramos isso em quase todas as empresas de sucesso iranianas. Se essas companhias não estiverem dispostas a alterar significativamente as suas estruturas accionistas ou conselhos de administração, vai ser muito difícil conseguir financiamento internacional para trabalhar com essas entidades”, considera.

O problema fundamental para potenciais investidores estrangeiros é que mesmo o contacto involuntário e não intencional com qualquer contraparte iraniana sujeita a sanções pode resultar numa pesada penalização pelo Tesouro dos Estados Unidos, que tem o poder para determinar a exclusão dos mercados financeiros americanos – um poderoso desincentivo para qualquer empresa global.

Alexander Gorjinia, que integrou a segunda delegação empresarial da Alemanha a visitar o irão desde 2015, diz que “o maior problema são os bancos”.

Apesar de as empresas e os bancos terem luz verde da Alemanha para operar no Irão, o Tesouro dos Estados Unidos “atira a responsabilidade pela verificação da probidade da empresa iraniana para as companhias estrangeiras. São elas que têm de investigar se a sociedade iraniana tem alguma ligação à Guarda Revolucionária”, explicou Gorjinia à Reuters.

“Temos de investigar todas as suas actividades, os seus negócios e a sua forma de actuação nos bastidores. Temos de trabalhar com companhias que têm dinheiro em caixa mas que fazem parte da Guarda Revolucionária. É isso o que nos diz a informação que recolhemos.”

Muitas empresas europeias acreditam que estas regras fazem parte de um plano da Administração norte-americana para impedir os negócios entre a Europa e o irão, queixa-se.

O problema tem a ver com o facto de existirem unidades da Guarda Revolucionária directamente envolvidas em vários dos conflitos em curso no Médio Oriente.

No Iraque, o regime de Teerão está alinhado com os Estados Unidos no combate aos jihadistas do Estado Islâmico. Mas na Síria está do lado oposto, ao lado da Rússia em apoio ao Governo do Presidente Bashar al-Assad; enquanto que no Iémen é o Irão que está por trás da insurreição xiita huthi que levou a Arábia Saudita, aliada dos Estados Unidos, a lançar uma campanha aérea na sua fronteira.

Ninguém acredita que os Estados Unidos vão enfraquecer o regime de sanções contra a Guarda Revolucionária e o seu império empresarial neste contexto.

Medo entre os bancos

É comum os homens de negócios ocidentais assumirem que os seus parceiros chineses ou russos fiquem menos inibidos perante as sanções americanas, mas um executivo chinês em Teerão disse, sob anonimato, que os bancos internacionais têm medo de ficar sem acesso aos mercados de capitais dos EUA, por isso continuam a rejeitar o Irão.

Ao serviço de uma empresa de petróleo e maquinaria ligada ao gás, este executivo visitou o Irão várias vezes depois do acordo sobre o nuclear, mas ainda não assinou nenhum acordo de negócio. A maior parte das empresas iranianas, diz, mesmo havendo falta de equipamento para perfuração, “não têm dinheiro para pagar”.

“Pedem aos vendedores que lhes garantam financiamento”, explica, “mas isso e impossível porque não há no mundo um banco que arrisque fazer negócios com os bancos iranianos. Até que os grandes bancos internacionais comecem a fazê-lo, os outros têm medo; mas os bancos europeus ainda têm medo dos bancos americanos”.

Os líderes iranianos queixam-se de que pouco se tem avançado no capítulo do acordo sobre o nuclear relativo à suavização das sanções.

“No papel, os EUA autorizam os bancos estrangeiros a negociar com o Irão, mas na prática criaram uma fobia e ninguém faz negócios com o Irão”, disse o ayatollah Khamenei no mês passado.

Begle, o executivo suíço, conta que no início deste mês, durante a visita do chefe de Estado suíço ao Irão, o Presidente Hassan Rouhani lhe pediu para pressionar os bancos suíços a começarem a financiar investimentos estrangeiros no Irão.

“Claro que o Governo suíço não pode dizer a uma empresa privada o que fazer”, diz Begle. “Só pode dizer que seria favorável a que isso acontecesse. Mas a decisão pertence ao banco”.

Hostilidade

Há outros obstáculos. A Guarda Revolucionária e outros grupos de interesses criados em volta da linha dura próxima do ayatollah Ali Khamenei, o Guia Supremo, são hostis à entrada de estrangeiros na economia do Irão.

Khamenei, cujo poder ultrapassa o dos órgãos eleitos (Parlamento e Presidência), deu um apoio decisivo ao acordo sobre o nuclear, o que fortaleceu a Rouhani, o Presidente orientado para a reforma.

Rouhani, em coligação com os reformistas e os conservadores independentes, roubou o controlo do Parlamento à linha dura nas eleições de Fevereiro. Bastaria esta mudança para o Parlamento aprovar legislação que facilitasse os negócios.

Porém, há quatro anos, o Parlamento aprovou uma lei destinada a reduzir o controlo do Estado na economia, criar um modelo credível de reguladores e de garantias para os investidores, e eventualmente levar as entidades controladas pela Guarda da Revolução a pagar impostos. Nada foi implementado.

Rouhani personifica as expectativas que os interesses ligados à Guarda da Revolução parecem determinados em frustrar, acreditam alguns analistas iranianos, porque foram precisamente as sanções que permitiram as suas vitórias e o seu controlo da economia.

Hossein Raghfar, professor de Economia da Universidade Alzahra de Teerão, lembra que “muitos grupos de interesse tornaram-se muito ricos à custa da crise económica. Eles não querem que as sanções sejam levantadas”.

Um economista próximo de Rouhani, Saeed Laylaz, diz que a economia caiu por terra mais em função da administração do que por causa das sanções. Preso depois da linha dura do regime ter conseguido reprimir os protestos de rua que se seguiram à eleição presidencial que resultou no segundo mandato de Mahmoud Ahmadinejad, em 2009, Laylaz não subestima a hostilidade dos interesses instalados a uma economia mais aberta. “Acredito piamente que uma parte do regime teve e ainda tem o projecto de criar sanções contra o Irão para esconder a sua má gestão e o seu saque organizado das riquezas do país.”

Para alterar o quadro geral em que se desenvolvem os negócios no país, tem de haver uma convergência entre o Guia Supremo, a Guarda revolucionária e o sistema judicial, observa Laylaz. “Estes são elementos muito importantes em termos de atracção do investimento estrangeiro. O apoio do Parlamento, por si só, não é suficiente. É por isso que não estou nada optimista.”

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