Tempo de trabalho não é igual para todos, nem será

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O sector da construção poderá perder 140 mil postos de trabalho até ao final do ano Enric Vives-Rubio

Saúde com maior impacto, sindicatos ameçam com greves

É na saúde, e basicamente nos hospitais, onde há turnos de oito horas, que o impacto da reposição das 35 horas semanais se vai fazer sentir com maior acuidade. Em Abril, o ministro da Saúde fez as contas e divulgou-as durante audição no Parlamento: o  regresso às 35 horas implicaria a contratação de entre 1500 a 1700 enfermeiros e entre 800 e 1000 assistentes operacionais. Em apenas um semestre, seriam necessários pelo menos 27 milhões de euros suplementares, estimava Adalberto Campos Fernandes. O ministro das Finanças adiantou depois que os trabalhadores dos hospitais EPE com contrato individual de trabalho não seriam abrangidos e que no restante sector seria necessário um período de adaptação. Os sindicatos não concordam e já ameaçam com greves. O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses pediu uma reunião ao ministro da Saúde e ao primeiro-ministro até ao final desta semana. A dirigente sindical Guadalupe Simões nota que a maior parte dos hospitais são empresas públicas e, por isso, têm bolsas de recrutamento que permitem contratar com rapidez os enfermeiros necessários. Apenas oito unidades de saúde, de pequena dimensão, não o podem fazer por estarem integradas no sector público administrativo, o que as obriga a fazer concursos. Guadalupe Simões estima que sejam necessários mil enfermeiros para que os serviços “não entrem em ruptura” devido à reposição das 35 horas, mas Sollari Allegro, administrador do Centro Hospitalar do Porto (CHP), acredita que serão necessários “muito mais”.   Só no CHP, com 4 mil funcionários, serão precisos cerca de 200 novos profissionais, perto de metade dos quais são enfermeiros, calcula o admnistrador, que diz estar à espera de instruções para operacionalizar a medida. Os médicos ficam fora desta equação porque negociaram um horário de 40 horas semanais com um aumento salarial. Alexandra Campos

Escolas vão precisar de mais auxiliares, não de professores

Nas escolas, o regresso às 35 horas de trabalho semanais arrisca-se a tornar a vigilância dos alunos nos recreios ainda mais difícil do que já é e até pôr em causa vários serviços, como as cantinas ou as papelarias. O alerta já foi dado por directores, que apelaram ao ministro da Educação para a necessidade de reforçar o número de auxiliares nas escolas. Tiago Brandão Rodrigues já se comprometeu a renovar os contratos dos mais de dois mil assistentes operacionais que, por estarem a prazo, terminam a 31 de Agosto.

A garantia foi dada em Abril, no Parlamento, tendo o ministro afirmado então que estavam ainda a estudar o impacto da medida. Na altura, a Secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, confirmou que o ME vai “prover as escolas com o número de assistentes operacionais que for necessário a mais”. O PÚBLICO questionou o ME, mas não obteve resposta.

Já no caso dos professores não serão necessários reforços, uma vez que a mudança para as 40 horas semanais, em 2013, foi concretizada por via do acréscimo da chamada componente individual de trabalho ( preparação de aulas, por exemplo) realizada fora do tempo lectivo. Clara Viana

Magistrados continuarão a trabalhar mais do que 35 horas 

O esperado regresso às 35 horas não irá mudar nada na Justiça. Os juízes e procuradores, no âmbito dos respectivos estatutos, não têm um horário de trabalho definido. “Temos uma espécie de isenção de horário. Na prática trabalhamos muito mais. Sempre foi assim e continuará a ser. Temos deveres. Não podemos falhar às diligências que acontecem a qualquer hora. Portanto, esse regresso às 35 horas não se aplicará aos magistrados”, diz o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas. A medida não terá também efeitos quanto aos funcionários judiciais. “Em 2013, quando o Governo quis aplicar as 40 horas semanais, apresentamos uma providência cautelar e o tribunal deu-nos razão. Continuamos sempre, por isso, com um horário de 35 horas, mas na prática fazemos muito mais sem nos pagarem. Trabalhos à noite e aos fins-de-semana quando há diligências. Já nas conservatórios e espaços do Instituto dos Registos e Notariado, o presidente da delegação regional do Sul e Ilhas, Arménio Maximino, sublinha que “o regresso às 35 horas representará uma poupança nas despesas porque com o alargamento de horário foi preciso contratar mais seguranças, limpeza e pagar mais electricidade”. Pedro Sales Dias

PSP continua com 36 horas e GNR aguarda novo horário

A reposição das 35 horas não terá efeitos na PSP. Em Dezembro, o Ministério da Administração Interna aprovou um novo Estatuto do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública que fez regressar aquela corporação a um horário de 36 horas semanais. “Por isso, essa reposição não se aplicará à PSP. O horário é de 36 e não de 35 horas devido à forma como os turnos estão organizados”, explicou o presidente do Sindicato Nacional da Polícia, Armando Ferreira. Já no caso da GNR, a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, anunciou em Abril que os militares desta corporação vão passar a ter um horário de trabalho de 40 horas. A fixação de um horário de trabalho é uma velha reivindicação dos militares da GNR. Está há muito prevista, mas nunca  foi concretizada, o que faz com que estes militares vejam muitas vezes excedida a carga horária de trabalho a que estão sujeitos. “Agora que se fala na reposição vamos pedir uma reunião urgente à ministra para que o horário seja de 35 e não de 40 horas”, adiantou o presidente da Associação Sócio-profissional Independente da Guarda, José Alho. Pedro Sales Dias

Emprego e Segurança Social com “alguns ajustamentos”

Com as 40 horas, os centros de emprego e de segurança social alargaram o sue horário de atendimento. No caso dos centos de emprego espalhados por todo o país, passaram a estar de porta aberta até às 17h, mas entre as 16h/16h30 e as 17h apenas prestavam informações aos utentes.

Neste momento, a comissão de trabalhadores do Instituto do Emprego e Formação Profissional não tem qualquer indicação de que haverá uma redução do horário de atendimento ao público. Mas entende que com as 35 horas “será possível fazer ajustamentos internos para propiciar o mesmo nível de atendimento”.

O ministério do Trabalho e da Segurança Social não esclareceu se serão feitos ajustamentos. O ministro Vieira da Silva garante que vai aplicar as 35 horas “de forma generalizada” nos serviços do seu ministério, embora reconheça que terá de fazer “alguns ajustamentos”.

Em entrevista ao Jornal de Negócios, garante que “do ponto de vista das despesas com pessoal, [o impacto] é irrisório, é marginal” e antecipa até que haverá um impacto positivo do ponto de vista da motivação dos trabalhadores. Raquel Martins

Horários nas repartições de Finanças em aberto

Na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a alteração pode levar a uma adaptação do horário de atendimento ao público nas repartições de finanças. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha, garante que não haverá “qualquer problema ou constrangimento na entrada em vigor da lei a 1 de Julho”, quer nas repartições e postos aduaneiros, quer nos serviços centrais.

A alteração horária nos serviços locais ainda não foi comunicada aos trabalhadores, mas Paulo Ralha admite que volte a ser aplicado o modelo que vigorava antes de Outubro de 2013, quando foram introduzidas as 40 horas na função pública. Nessa altura o tempo de atendimento foi alargado em meia hora, com os serviços a fecharem ao público às 16h30 em vez das 16h.

Actualmente, a maior parte dos mais de 300 serviços de finanças abre das 9h às 12h30 e das 14h às 16h30 (há algumas excepções: nos serviços de Lisboa, Porto, Coimbra, Cantanhede, Figueira da Foz e Guarda não há encerramento para almoço; nas Lojas do Cidadão, os balcões da AT seguem o horário comum aos restantes serviços). Pedro Crisóstomo

Muitas autarquias nunca trabalharam 40 horas

A reposição das 35 horas não terá grande impacto nas autarquias, uma vez que a generalidade das câmaras, juntas de freguesia e comunidades intermunicipais nunca chegaram a aplicar a semana de 40 horas.

Em alternativa negociaram centenas de contratos colectivos com os sindicatos (aproveitando uma possibilidade prevista na lei) para manter o horário mais curto. Isso aconteceu em grande câmaras como a de Lisboa, a de Sintra ou a de Cascais.

O processo foi polémico, porque o ministério das Finanças recusou-se a publicar os acordos colectivos negociados, até que o Tribunal Constitucional o obrigou a publicar todos esses acordos em Diário da República.

A medida abrangerá apenas as autarquias que não chegaram a acordo com os sindicatos. Raquel Martins

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