Erdogan contra-ataca críticas europeias: “Paris e Bruxelas estão em chamas”

Depois de semanas debaixo de fogo em matéria de protecção dos direitos humanos, o Presidente da Turquia critica a violência nas ruas de Paris e pede aos muçulmanos que não pensem em métodos contraceptivos.

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Erdogan celebrou no domingo o aniversário da conquista de Constantinopla, numa cerimónia neo-otomana. Murad Sezer/Reuters

Recep Tayyip Erdogan tentou inverter o guião habitual do diálogo sobre direitos humanos ao acusar um outro líder europeu de estar a atropelar a liberdade de expressão no seu país, uma crítica que nos últimos anos se deu sempre no sentido contrário. O Presidente turco discursava esta segunda-feira pelo segundo dia consecutivo em Istambul durante a abertura de uma delegação do chamado Serviço para a Juventude e Fundamento da Educação, uma organização supostamente não-governamental que, em todo o caso, encarna a ideologia conservadora islamista de Erdogan e é em parte controlada por um dos seus filhos.

“Eles já nos fizeram saber que estão inquietos”, lançou Erdogan, que há semanas abriu uma frente de guerra com Bruxelas por causa da sua lei de antiterrorismo, vista como um atentado à independência do sistema judicial turco e um pretexto para silenciar vozes críticas ao poder cada vez mais centralizado na figura do Presidente — sobretudo as de jornalistas e académicos. “Pois bem, eu também estou preocupado com o que se passa em França. Condeno a violência exercida pela polícia francesa contra as pessoas que exercem o seu direito de protesto e os media ocidentais que não cobrem os incidentes.”

Minutos antes de Erdogan discursar, o Ministério dos Negócios Estrangeiros antecipava os seus comentários sobre os confrontos entre manifestantes e polícia francesa nos protestos da última semana contra a nova lei do trabalho: “Estamos preocupados com as intervenções das forças de segurança contra manifestantes, que estão a tornar-se cada vez mais agressivas”, disse um porta-voz do ministério. Mas foi o Presidente turco que mais fez por sublinhar a alegada duplicidade europeia. “Paris e Bruxelas estão em chamas. Há também protestos muito graves noutras cidades ocidentais. As organizações mediáticas que se obcecaram por Istambul há três anos e quase transmitiam sem parar [as manifestações naquela cidade] decidiram ignorar e emudecerem-se.”

Erdogan falava dos protestos antigovernamentais de 2013 nascidos na praça Taksim, que se alastraram a dezenas de cidades turcas e foram duramente reprimidos pelas autoridades — pelo menos oito pessoas morreram e mais de oito mil ficaram feridas. Mas o pano de fundo do seu discurso centra-se na disputa humanitária que tem azedado as relações entre Ancara e União Europeia nos últimos meses. Em Abril, o Parlamento Europeu denunciou uma regressão dos direitos humanos na Turquia e o acordo de devolução de refugiados está em risco por causa da polémica lei de antiterrorismo turca: a Europa insiste em modificá-la antes de aceitar entrada sem vistos a cidadãos turcos, mas Erdogan e os seus aliados recusam-se a fazê-lo, ameaçando anular o acordo caso não recebam viagens facilitadas.

Apesar disto, Erdogan parece mais interessado em avançar com o seu projecto de longa-data de tornar a Turquia num regime presidencialista do que em remendar os laços com Bruxelas. Afastou o ex-primeiro-ministro Ahmet Davutoglu — a grande ponte entre Ancara e outros líderes europeus — e manobrou o seu antigo partido a apontar um novo Governo formado quase inteiramente por lealistas. Conseguiu entretanto aprovar uma alteração constitucional que anula a imunidade parlamentar de deputados acusados de terrorismo, algo que muitos esperam que sirva como ferramenta para perseguir os partidos de oposição.

Enquanto isto acontece, o Presidente reforça a sua retórica islâmica e nacionalista. Esta segunda-feira defendeu que “nenhuma família muçulmana” deve pensar em métodos contraceptivos ou planeamento familiar — “vamos multiplicar os nossos descendentes”, afirmou — e, no domingo, numa cerimónia neo-otomana em que assinalava o aniversário da conquista de Constantinopla, criticou o envolvimento russo, iraniano e norte-americano na guerra na Síria. Preocupa-se sobretudo com o apoio dado às milícias curdas no Norte do país, que, segundo ele, estão em conluio com as organizações separatistas curdas na Turquia. Reforçou a mesma ideia esta segunda, acusando a Rússia de estar a enviar armamento antiaéreo directamente a militantes separatistas no Leste do país.  

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