Lacunas da lei das barrigas de substituição preocupam Belém

Tal como foi aprovado, o diploma arrisca o primeiro veto político de Marcelo. Será a oportunidade do Presidente se demarcar do Governo, já que não o tem querido fazer, por exemplo, em relação à polémica com os colégios privados.

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Marcelo poderá vetar a chamada lei das barrigas de aluguer Enric Vives-Rubio

A lei da gestação de substituição - conhecida por lei das barrigas de aluguer, embora não possa haver negócios envolvidos - arrisca-se a ser o primeiro diploma a ser vetado por Marcelo Rebelo de Sousa. O PÚBLICO sabe que o Presidente da República tem muitas dúvidas sobre o articulado aprovado no passado dia 13 no Parlamento, em particular sobre lacunas legais que poderiam desproteger a criança gerada numa barriga “emprestada” ou provocar conflitos para os quais não é apresentada uma solução.

São pelo menos três as situações que estão a causar alguma perplexidade jurídica em Belém: no caso de a criança vir a sofrer de uma deficiência, detectada durante ou no final da gestação, quem se responsabiliza por ela? O que fazer caso a mulher que cedeu o seu útero decidir interromper a gravidez? Ou se, por outro lado, esta mulher decidir que não entrega a criança no final da gestação?

A lei, proposta pelo Bloco de Esquerda, foi aprovada em votação final global pelas bancadas do PS, BE, PEV, PAN e 24 deputados do PSD. PCP, CDS, a restante bancada do PSD e dois deputados do PS votaram contra, enquanto três deputados sociais-democratas se abstiveram. Mas ainda se encontra no Parlamento para aquilo a que se chama “fixação da redacção final”, juntamente com a lei em que será enquadrada, a da Procriação Medicamente Assistida.

Só que, neste período, os diplomas já não podem ser alterados, uma vez que já foram votados. Esta fase do procedimento legislativo serve apenas para “aperfeiçoar a sistematização do texto e o estilo” da lei, mas não pode “modificar o seu pensamento legislativo”, de acordo o Regimento da Assembleia da República.

Em termos políticos, a lei também não agradará a Marcelo Rebelo de Sousa. Vetá-la permitiria ao Presidente dar um sinal de aproximação ao eleitorado de centro-direita que o elegeu, e em especial à Igreja Católica, ao mesmo tempo que lhe permite afastar-se da “geringonça” sem pôr em causa a relação com o Governo, pois a lei da gestação de substituição é uma proposta do Bloco de Esquerda e não do PS.

Já a reposição das 35 horas de trabalho na Função Pública deverá passar pelo crivo presidencial sem problemas. Esta lei é uma promessa eleitoral do PS e um eventual chumbo poderia unir a esquerda contra o Presidente da República, ainda que pudesse dar ao primeiro-ministro uma oportunidade de adiar uma medida que está a ter dificuldades em pôr em prática sem custos para o Orçamento do Estado.

O comunicado incómodo

Outro dossier problemático nas relações entre Belém e S. Bento tem sido a decisão do Governo de pôr fim aos contratos de associação com escolas privadas, mas aqui o Presidente não tem a arma do veto. Também por isso tem gerido os silêncios e as palavras com pinças, ainda que se saiba que, no passado, defendeu a liberdade de escolha em matéria de ensino.

Não se estranha, por isso, que a divulgação, por uma agência de comunicação, de declarações atribuídas ao Presidente da República a favor dos colégios privados tenha causado incómodo em Belém. Na quinta-feira, o movimento “Defesa da Escola Ponto” foi recebido pelo chefe de Estado e ao fim da tarde divulgou um comunicado em que cita, entre aspas, frases que terão sido ditas pelo próprio na audiência.

Sob o título “Marcelo afirmou que ‘tem de se encontrar uma solução para o problema’ dos colégios”, o movimento afirma que o Presidente se comprometeu a falar com o primeiro-ministro sobre o assunto na sua reunião semanal marcada para esta sexta-feira. E acrescenta que Marcelo “tomou ‘boa nota’ do parecer jurídico que mostra que a suspensão dos contratos é ilegal: ‘Mal tenham a versão completa, enviem-ma’, pediu”.

Na quinta-feira à noite, em Ílhavo, Marcelo Rebelo de Sousa evitou falar sobre o encontro, que não fazia parte da sua agenda pública, limitando-se a dizer: “É sempre bom ouvir e informar-me”.

Fonte de Belém remete para o movimento “Defesa da Escola Ponto” todas as responsabilidades pelo comunicado, afirmando que as referidas citações não passam de “interpretações que quis fazer das palavras do Presidente da República”. O incómodo fica ainda mais à vista quando a mesma fonte afirma que o comunicado nem sequer foi referido durante a audiência de quinta-feira.

Luís Marinho, um dos membros do movimento, ficou surpreendido com o incómodo do chefe de Estado, pois “nunca foi manifestado, em qualquer momento, qualquer reserva em relação à comunicação social”. “Fizemos o comunicado em total boa-fé, sem qualquer intenção de condicionar” o Presidente, afirmou ao PÚBLICO. Mas promete a partir de agora “ter mais cuidado”.

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