Paulo Varela Gomes

Eram da exacta dimensão deste texto, as crónicas que Paulo Varela Gomes escrevia para o PÚBLICO, primeiro no P2, depois na revista de domingo. Agora que, infelizmente sem surpresa, fomos confrontados com a notícia da sua morte, é a lembrança delas que primeiro nos assalta, conduzindo-nos através das palavras (que, junto com as ideias, como bem lembra António Guerreiro, “foram as suas armas poderosas”) à pessoa do seu autor. E é uma memória viva, essa, a que Paulo Varela Gomes deixa. São raros os que, como ele, abarcam com segurança várias áreas do conhecimento, discorrendo sobre elas de forma ardorosa, inteligente e lúcida. Daí que, em muitos momentos, quando aqui no jornal se falava de determinado tema, surgisse com naturalidade o seu nome. Era ele a pessoa certa para escrever sobre aquilo. E, nas crónicas ou fora delas, quer escrevesse sobre história, pintura, fotografia, arquitectura ou até, por exemplo, sobre um romancista de aventuras – como Emílio Salgari (1862-1911), que ele lera sofregamente na juventude –, a sua escrita tinha um traço distintivo, uma fala própria, que exprimia (voltando a António Guerreiro) “com uma perícia e um júbilo inauditos”. Por altura da sua Última Aula, em Dezembro de 2012, quando se aposentou, destacou Jorge Figueira nas páginas do PÚBLICO o seu papel na crítica de arquitectura, com um inequívoco elogio: “Merece um reconhecimento nacional, e internacional, alargado e formal, que lhe tem escapado.” Mas esse ano, 2012, tinha sido o da descoberta do cancro, em Maio, precisamente o mês que agora recomeça já sem ele. O que tinha a dizer sobre a doença e a forma como a encarou e desafiou, a ponto de planear um suicídio a que renunciou, deixou-o exemplarmente escrito no texto Morrer é mais difícil do que parece, publicado em 2015 na revista Granta e agora abundantemente citado. Mas não era a morte que o ocupava, “essa Senhora de Negro” com a qual imaginariamente dialogou e disso deu conta na escrita; era a vida. A que encontrava na natureza, na arte, sobretudo na pintura, que preferia à fotografia por razões que explicou na crónica Um sopro de vida (2013): porque a fotografia é “um instrumento histórico e uma certidão de óbito” e uma pintura permite “contemplar o ‘milagre’ levado a cabo pela mão e o espírito humanos, o milagre de rivalizar com a realidade invisível.” Este outro ‘milagre’ conseguiu-o ele também nos seus imensos escritos, muitos deles inesquecíveis, nas palavras com que foi combatendo a morte. Por isso ela não o derrotou, mesmo no fim.

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