Obama avisa que fora da UE o "Reino Unido terá de ir para o fim da fila"

Presidente norte-americano ataca em Londres um dos pilares da campanha do "Brexit". Washington, afirmou, está mais interessado num acordo de comércio com a União do que em negociar com países isolados.

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Cameron e Obama em Downing Street: o Presidente americano "detonou uma bomba nuclear" Reuters

Barack Obama foi a Londres falar como amigo, como Presidente do país com quem o Reino Unido tem uma relação especial “inabalável”, mas na hora que passou a falar aos jornalistas entregou ao primeiro-ministro britânico o melhor trunfo que ele podia esperar na campanha a favor da permanência na União Europeia. Se a 23 de Julho os eleitores optarem pela saída, avisou, vão passar vários anos até que o país consiga assinar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos.

Com estrondo, num par de frases, o Presidente norte-americano implodiu aquela que é uma peça central dos argumentos da campanha pelo “Brexit” – a de que liberta das “amarras de Bruxelas”, o país será livre para celebrar acordos de comércio com as nações emergentes e o seu histórico aliado. Questionado no final do encontro com David Cameron, em Downing Street, sobre a disponibilidade norte-americana para negociar com Londres, Obama não podia ter sido mais taxativo: “Em algum momento no futuro poderá vir a haver um acordo de comércio entre o Reino Unido e os EUA, mas isso não vai acontecer em breve, porque a nossa prioridade é negociar com grandes blocos, com a União Europeia”, afirmou. “O Reino Unido terá de ir para o fim da fila”, disparou.

“Estávamos à espera que Obama lançasse uma ou duas granadas de mão. Em vez disso, detonou uma bomba nuclear”, escreveu no Twitter o editor de Política do jornal Times, Tim Shipman, num comentário quase imediato à declaração, feita de improviso pelo Presidente americano. “O som de pânico que estamos a ouvir é dos apoiantes do ‘Brexit’ à procura de abrigo”, acrescentou na mesma rede social Kevin Maguire, director adjunto do Daily Mirror.

Na conferência, como no artigo de opinião publicado horas antes no Daily Telegraph, Obama insistiu que não tinha ido a Londres para fazer campanha, mas como líder de um país que tem com o Reino Unido “uma das alianças mais antigas e mais fortes em todo o mundo”. “Parte dessa relação especial passa por dizermos aquilo que pensamos, e para nós esta é uma questão de grande interesse”. “Os Estados Unidos querem que o Reino Unido seja um parceiro forte” e a participação britânica na UE “amplia o seu poder de influência”, assegurou. Mais à frente afirmaria que, se fosse britânico, não pensaria em pôr em causa o acesso ao mercado que absorve “44% das exportações do país”.

Respondendo a Boris Johnson, o mayor de Londres que o acusou de “hipocrisia” por defender que Londres deve continuar a transferir poderes para Bruxelas, quando os EUA não estão disponíveis para ceder um milímetro da sua soberania, Obama lembrou que, após a II Guerra Mundial, Washington liderou os esforços para a criação de várias organizações multilaterais, como a NATO ou o FMI. Insistiu ainda que a Europa foi e é essencial para garantir “a segurança e a prosperidade” na Europa nas últimas décadas e que a participação britânica “é uma garantia de que os desafios que enfrenta serão resolvidos da forma certa”. “No século XXI, as nações com poder não serão aquelas que estão sozinhas. São aquelas que agem em conjunto”, insistiu, antes de citar o poeta inglês John Donne, “nenhum homem é uma ilha”.

A relação ainda pode ser “especial”?

Nas redes sociais, nos comentários televisivos, os porta-vozes da campanha pelo “não” foram rápidos a lembrar que o Presidente democrata está em fim de mandato e que a posição de Washington mudará, quer com a chegada de um novo inquilino à Casa Branca, quer se, como esperam, os eleitores votarem a favor da saída. “Obama não tem autoridade para nos negar um acordo, uma vez que ele já estará bem longe quando as propostas chegarem à mesa”, afirmou Richard Tice, dirigente da Leave.EU, a campanha oficial pelo “Brexit”.

Só que a mensagem de Obama – que Laura Kuenssberg, editora de Política da BBC, dizia não poder ser melhor para Cameron “mesmo que tivesse sido escrita por Downing Street” – não se destinava aos “Brexiters”, mas aos eleitores que, a 60 dias do referendo, continuam indecisos ou não sabem ainda se vão votar. A este propósito duas sondagens divulgadas nesta sexta-feira mostravam que eram precisamente estes, sobretudo os eleitores mais jovens, os que mais admitiam que as palavras do Presidente americano poderiam ter influência na sua decisão.

E os estragos que possam ter sido causados por Obama junto dos eurocépticos foram amplificados pela polémica em que Johnson se viu enredado depois de, num artigo para o The Sun, ter sugerido que Obama não é tão amigo do Reino Unido como afirma. Fê-lo de forma indirecta ao lembrar uma história, já desacreditada, de que Obama teria mandado retirar da Sala Oval o busto de Winston Churchill que o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair emprestara ao seu antecessor, George W. Bush. “Ninguém sabe se o próprio Presidente esteve envolvido na decisão. Alguns dizem que foi um agravo ao Reino Unido. Outros dizem que é um símbolo da antipatia ancestral de um Presidente em parte queniano com o Império britânico – do qual Churchill era um fervoroso defensor”.

Da oposição trabalhista ao neto de Churchill, o também deputado conservador Nicholas Soames, choveram críticas de “racismo” e o próprio Obama não passou ao lado do tema quando afirmou que mantém uma réplica do busto junto ao seu escritório pessoal na Casa Branca. Mas na Sala Oval preferiu ter uma representação de Martin Luther King – “alguém cujo trabalho permitiu que eu tivesse o privilégio de me tornar Presidente dos EUA”.

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