Swaps vendidos pelo Santander ao Estado chegam ao Tribunal de Justiça da UE

Clarificação pedida pelo Supremo num processo que envolve uma empresa pública Madeira será crucial no litígio com o banco.

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Empresas foram condenadas a pagar 350 milhões até amanhã Pedro Cunha/Arquivo

Os swaps vendidos pelo Santander já chegaram ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) por meio de um pedido do Supremo, relacionado com um contrato de uma empresa pública da Madeira. A clarificação pedida à justiça comunitária será crucial no braço-de-ferro que se trava em Londres, já que poderá esclarecer de uma vez por todas se apenas os tribunais ingleses têm competência para julgar estes casos ou se a legislação nacional, à partida mais favorável ao Estado, tem de ser tida em conta.

Embora não tenha dado detalhes sobre este pedido, a consulta ao TJUE foi mencionada na quarta-feira na audição parlamentar ao secretário de Estado Adjunto, do Tesouro e Finanças sobre a estratégia do Governo no litígio que opõe quatro empresas públicas de transportes ao Santander, que em Março resultou numa sentença que considera válidos os swaps vendidos pelo banco. O PÚBLICO teve acesso ao acórdão referido por Ricardo Mourinho Félix, em que o Supremo se abstém de tomar uma decisão final enquanto não obtiver esclarecimentos por parte da justiça europeia.

Na sentença, que foi proferida no início de Fevereiro na sequência de um recurso interposto pela Sociedade Metropolitana de Desenvolvimento da Madeira, decide-se remeter um conjunto de perguntas ao TJUE, por indicação da queixosa, que celebrou dois contratos com o banco e pedia a sua nulidade. Isto depois de tanto a Primeira Instância como o Tribunal da Relação se terem declarado incompetentes para julgar o caso, absolvendo por isso o Santander. Uma decisão que sido transversal a todas as acções movidas por empresas sob a alçada do Governo Regional.

Embora o juiz relator sublinhe no acórdão que, “com base nos elementos existentes, se inclina, por ora, para a solução de considerar válido e aplicável o pacto atributivo de jurisdição aos tribunais ingleses”, concorda em fazer uma consulta ao TJUE. O objectivo é claro: perceber se o Art. 23.º do Regulamento de Bruxelas, que estabelece que as partes podem acordar a jurisdição aplicável a um contrato, é suficiente para determinar que só os tribunais ingleses se podem pronunciar sobre estes swaps. É que todos contratos firmados com o Santander, incluindo os das empresas públicas da administração central, têm cláusulas que obrigam a que qualquer litígio corra no Reino Unido. O juiz pergunta, nomeadamente, se esse pacto sobre a jurisdição dos swaps pode prevalecer sobre os “graves inconvenientes” que possa causar.

É que, como o secretário de Estado fez questão de frisar, há uma diferença substancial entre um julgamento de casos deste tipo nos tribunais britânicos ou nos portugueses. “A lei inglesa atenta sobretudo à letra e no ordenamento jurídico português a boa-fé é uma parte essencial” na avaliação destes contratos. Foi, aliás, o próprio juiz do tribunal de Londres a admitir que, à luz da legislação nacional, sete dos nove contratos das empresas públicas de transportes seriam anuláveis, com base na alteração anormal de circunstâncias.

Decisão ainda este ano

Uma clarificação do TJUE, cuja função também é garantir que a legislação é aplicada da mesma forma em todos os países da União Europeia, que vá no sentido de considerar que os tribunais portugueses podem pronunciar-se sobre a validade destes contratos poderá ser importante, não só para o processo da Sociedade Metropolitana de Desenvolvimento da Madeira, mas também para o litígio que corre em Londres, dando mais argumentos ao Estado. As empresas públicas de transportes apresentaram recurso da decisão de Londres e remeterão ao tribunal as suas alegações a 28 de Abril, seguindo-se a contestação do banco a 12 de Maio. Mourinho Félix assegurou que a decisão poderá ser conhecida ainda “na segunda metade deste ano”.

O governante trouxe para a audição parlamentar a ideia de que o Santander só avançou para o Reino Unido, na primeira semana de Maio de 2013, porque o anterior executivo anunciara poucos dias antes que iria contestar judicialmente os seus contratos, depois de as negociações para eliminar os prejuízos dos swaps terem fracassado. Mourinho Félix adiantou que, nessa altura, estava já em fase final de preparação uma acção cível a interpor pelo Estado nos tribunais portugueses contra o banco, mas que se perdeu essa oportunidade quando o litígio deu entrada em Londres.

Tal como o Ministério das Finanças já tinha adiantado ao PÚBLICO, o secretário de Estado defendeu que a sentença de Londres não é executável até que seja validada em Portugal. Ou seja, as empresas públicas não vão pagar os cupões em dívida (350 milhões de um total de 1800 milhões de perdas potenciais dos swaps), como foram obrigadas a fazer até sexta-feira, enquanto o Santander não pedir aos tribunais nacionais uma declaração que valide a decisão tomada pelo juiz britânico. Perante o incumprimento, o banco poderá esperar pela decisão do recurso, mover uma acção de execução ou até pedir a liquidação antecipada dos contratos, mas estes dois últimos cenários são mais improváveis.

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