Um bulldozer contra as memórias

Uma fantasia vagamente metafísica a repegar num tema “clássico” (a crise do homem de meia-idade), mas cheia de “truques” de argumento: Demolição, com Jake Gyllenhaal.

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Nem aquela mistura de apatia e insolência de Gyllenhaa consegue ultrapassar o valor ilustrativo de Demolição

É bizarro, mas como diz a personagem de Jake Gyllenhaal, “é tudo uma metáfora”. Tudo, isto é, a maneira como essa personagem se aplica a partir coisas, inclusivamente a demolir, passada a ferro com um bulldozer, a casa onde vivia com a mulher – os factos e as metáforas confundem-se, Demolição é a história de um homem, movido pela dor ou pela falta de sentimento (não se percebe), a destruir à pancada as memórias e os resíduos da sua vida passada. Jean-Marc Vallée vem de um muito razoável filme, Dallas Buyers Club, com Matthew McConaughey na pele de um cowboy a morrer de Sida, onde equilibrava no tom certo a justeza sociológica e o olhar irónico sobre ela.

Aqui o tom perde-se algures, numa fantasia vagamente metafísica a repegar num tema “clássico” (a crise do homem de meia-idade, bem na vida, que um acontecimento traumático como, no caso, a morte da mulher, vem lançar numa espiral destrutiva), mas cheia de “truques” de argumento a suster o mergulho nas profundezas, e a manter tudo numa bonomia sempre fácil de amparar – algures no cruzamento entre o onirismo acabrunhado de Spike Jonze e um Jason Reitman que tivesse acordado ligeiramente deprimido. O que quer dizer que não vai muito longe, que Vallée parece estar sempre a hesitar no modo como deve pegar na história, e que nem a graça dos actores (aquela mistura de apatia e insolência “je m’en fou” de Gyllenhaal) consegue ultrapassar o valor facial, ilustrativo, de Demolição.

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