Isabel dos Santos diz que Governo tomou medida "parcial" no caso BPI

Empresária interrompe silêncio e fala em "medida historicamente sem precedentes e declaradamente parcial" com a aprovação do decreto-lei que irá permitir desblindagem dos direitos de voto no banco.

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Isabel dos Santos quebrou o silêncio para criticar a gestão do BPI Fernando Veludo/Nfactos

Mais de 24 horas depois do maior accionista do BPI, o Caixabank (com 44%) ter anunciado a OPA voluntária sobre 100% do capital da instituição portuguesa, a Santoro, de Isabel dos Santos, quebrou o silêncio para enviar críticas fortes à gestão do BPI, ao accionista espanhol e ao governo português. O ataque ao primeiro-ministro António Costa, um dos protagonistas do dossiê, resulta numa acusação por ter tomado uma medida (a lei que permitirá a desblindagem dos estatutos) “historicamente sem precedentes” para além de “parcial” e em benefício do grupo espanhol.

“Constatamos que, apesar do construtivo envolvimento do Governo português em dada fase da conciliação do processo, foi agora tomada uma medida historicamente sem precedentes e declaradamente parcial com a aprovação do decreto-lei - identificado como "o diploma do BPI" - que favorece, uma das partes, no momento em que estas se encontravam em pleno processo negocial”, refere a Santoro no seu comunicado enviado esta terça-feira.

Ainda assim a Santoro (com 21% do BPI) lembra que “sempre esteve empenhada em contribuir para uma solução do problema, criado pelo BCE, do risco de exposição do BPI a Angola e, por isso” e “apesar da legislação” criada pelo Governo português a possibilitar a desblindagem dos estatutos para facilitar a OPA do CaixaBank ao BPI, o “dossier ficou por resolver”.

Para além do ataque ao Governo, Isabel dos Santos diz mais. Afirma que a negociação que no último ano se desenvolveu com o CaixaBank nasceu para resolver o problema da exposição do BPI ao Banco de Fomento de Angola (BFA) e não para vender a sua participação no BPI (de 21%). E diz que o acordo celebrado a 10 de Abril entre espanhóis e angolanos, com intervenção de António Costa, não foi formalizado em documentos na semana que se seguiu.

“O processo de negociação entre a Santoro e o CaixaBank nasceu com o propósito de encontrar uma forma de redução do risco do BPI a Angola por imposição do BCE ao considerar que este país não tem um sistema de supervisão bancário equivalente ao europeu”, afirma a Santoro. E, por isso, sempre defendeu que “uma decisão relativa ao BFA deveria ser encontrada ao nível do BFA”, onde o BPI possui 50,1% do capital e a Unitel (controlada por Isabel dos Santos) as restantes acções.

Todavia, adianta, tornou-se perceptível que “as exigências do CaixaBank eram focadas na aquisição da maioria do capital do BPI”, isto “independentemente” de se poder encontrar uma solução para o tema Angola.

Problemas por resolver

Em Janeiro de 2016, a Unitel avançou com uma oferta de 140 milhões para adquirir 10% do BFA, o que, no entender da Santoro, “resolveria” o problema colocado pelo BCE, uma vez que o BPI “deixaria de consolidar as contas do BFA no seu balanço”. A administração do BPI, liderada por Artur Santos Silva, recusou esta proposta.

A Santoro adianta ainda que o CaixaBank e o BPI “tinham proposto vender 50,1% do BFA” ao grupo de Isabel dos Santos (Unitel) “por 800 milhões de euros”. E que “em 2014 e 2015, o BPI “não conseguiu encontrar no mercado, apesar de um "road show" internacional, compradores dispostos a valorizar o BFA em 1600 milhões de euros”.

Face à ausência de interessados, “a Santoro propôs a cotação do BFA numa bolsa internacional, de forma a permitir a saída do BPI e garantir a liquidez aos seus investidores, ao mesmo tempo que reduzia o risco do BPI a Angola”. E que foi neste contexto que a Santoro e CaixaBank “discutiram princípios de entendimento no domingo 10 de Abril, na véspera da data limite fixada pelo BCE, sendo que estes princípios deveriam ter sido consolidados num documento a ser assinado por ambas as partes durante a semana seguinte”.

Isabel dos Santos adianta que existiam “assuntos pendentes que deveriam ser solucionados, em relação aos quais o CaixaBank recusou, dias depois, a sua formalização, nomeadamente a questão relacionada com a liquidez dos accionistas do BPI”. E o “acordo” celebrado a 10 de Abril, com mediação do Governo português “nunca foi finalizado” pelo que considera “falso ter existido qualquer quebra do acordo da parte da Santoro” como referiram quer a gestão do BPI, liderada por Fernando Ulrich, quer o CaixaBank.

Mas a Santoro vai mais longe para revelar aquilo que diz ser “um dos pontos críticos desse acordo”: “O spin-off do BFA, o qual implicaria necessariamente a admissão à cotação do BFA na Euronext Lisboa ou noutra bolsa, uma vez que todos os accionistas, incluindo os minoritários do BPI, receberiam acções do BFA”. Um tema que Isabel dos Santos classifica de inegociável. E ao contrário do que terá defendido, segundo recorda a Santoro, “o presidente do BPI” para quem a solução angolana “ia ‘desfigurar gravemente a solução que fora acordada’ ”.

Assim, o grupo angolano entende como sendo “inadmissível” o cenário “desenhado pelo CaixaBank em que os accionistas minoritários do BPI receberiam acções do BFA sem que lhes fossem dadas garantias de liquidez”. Uma via que ia “prejudicar, nomeadamente, os accionistas minoritários, que se veriam obrigados a gerir uma participação financeira num banco com sede em Angola sem dela poderem dispor”.

?Além deste tema negocial, avança, surgiram na última semana outras questões “relacionadas com as autorizações do Banco Nacional de Angola (BNA) para a exportação de divisas que eram condições necessárias para a execução dos actos planeados”. E afirma que o “CaixaBank quis impor nas minutas de contratos essas autorizações do BNA, como se fossem responsabilidades da Santoro, ao mesmo tempo que pretendia incluir clausulado relacionado com o pagamento das acções do BFA que seriam alienadas”.

“Exigiu também incluir diversas matérias que nada tinham que ver com as operações em causa como, por exemplo, o pagamento imediato de dividendos de 2014 e 2015 do BFA”, o que se traduz num objectivo: o “CaixaBank/BPI pretendiam obter, através dos contratos com a Santoro, a garantia de exportação de capital de Angola no valor de centenas de milhões de dólares”.

Face a tudo isto e pelo “papel decisivo do BNA nesta matéria, foi agendada uma reunião com o regulador angolano, na semana passada, a qual não se realizou por alegada indisponibilidade dos representantes do BPI”.

A questão BIC Portugal

Neste contexto, agora com uma mensagem para o Banco de Portugal e o BCE, “a Santoro refuta categoricamente qualquer associação do desfecho das negociações referidas a temas relacionados com o Banco BIC” que, diz, é “um caso de sucesso”, sendo que “a generalidade dos membros da administração foi eleita há cerca de oito anos sem que, em momento algum, tenham sido colocadas quaisquer dúvidas sobre a sua idoneidade”.

Em causa está uma decisão do Banco de Portugal (BdP) de não autorizar Jaime Pereira a exercer as funções de CEO do BIC Portugal, para o qual foi nomeado. Pereira foi até Fevereiro de 2015 vice-presidente do banco então presidido por Mira Amaral.

O BdP está há mais de dois meses para conceder o registo de idoneidade a Isabel dos Santos para ocupar a administração não executiva do BIC Portugal, onde possui mais de 42%.

A ruptura com o CaixaBank foi formalizada depois de uma reunião no BdP, na quinta-feira passada, onde a equipa de Carlos Costa colocou obstáculos à nomeação da gestão do BIC Portugal. A equipa agora “posta em causa, é a mesma que resgatou o BPN em 2012, salvando mais de 1100 postos de trabalho”, defende a Santoro.

Apesar de todas as críticas, Isabel dos Santos diz que mantém a “intenção de conduzir este processo de forma a responder aos interesses de todas as partes envolvidas, respeitando sempre os princípios da idoneidade e transparência”. E, antes terminar, concluiu: “No entretanto, o CaixaBank já beneficiou os seus cofres em cerca de 235 milhões de euros.”

Os principais acontecimentos que marcam o BPI

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