Desblindagem dos bancos causou tensão dentro do Governo

Lei sai esta quarta-feira em Diário da República e contém a versão restritiva, ou seja, é aplicada apenas a oito bancos, dos quais dois estão cotados e seis não.

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António Costa defendia uma versão mais ampla da lei DANIEL ROCHA

Provocou tensão no Governo a definição dos termos da lei que desblinda os estatutos das sociedades bancárias, soube o PÚBLICO. Acabaram por vencer os defensores da versão restritiva, ou seja, a que prevê a aplicação da desblindagem aos bancos, com excepção das caixas agrícolas e económicas. Esta decisão significa que a nova lei pode afectar a blindagem de votos em dois bancos cotados (BPI e BCP) e seis que não estão listados em bolsa. O confronto opôs os que são defensores da versão final da lei e os que preferiam que este mecanismo fosse aplicado a todas as sociedades cotadas em mercado regulamentado, independentemente da área de actividade económica.

A defesa da versão restritiva foi protagonizada pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, e também pelo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Miguel Prata Roque, que fizeram valer a sua tese junto do primeiro-ministro.

A versão ampla da lei era defendida inicialmente pelo primeiro-ministro, em linha com posições já assumidas por instituições europeias como o Banco Central Europeu, bem como sectores ligados à internacionalização e à captação de investimento estrangeiro, como a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e pelas associações empresariais.

De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, o primeiro-ministro, António Costa, foi sensível aos argumentos de que uma desblindagem ampla exporia demasiado essas sociedades comerciais aos interesses estrangeiros e também que isso dificultava o acesso de sociedades anónimas ao financiamento no mercado. Entre os argumentos usados pelos defensores da versão minimalista sobressaiu o facto de que é fundamental as empresas poderem continuar a financiar-se quer em bolsa quer através da emissão de obrigações, sobretudo quando há dificuldade de crédito. Ainda de acordo com as informações do PÚBLICO, há centenas de sociedades comerciais com estatutos blindados, sendo o seu total impossível de definir já que não há dados oficias seguros.

Ana Perestelo, professora de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, lembra, em declaração ao PÚBLICO, que esta regra "facilita o restabelecimento do princípio geral consagrado no Código das Sociedades Comerciais, aplicável aos bancos e a todas as sociedades anónimas, de que a cada acção corresponde um voto".

Explicando a desblindagem, afirma que ela "é uma deliberação de alteração do contrato de sociedade, devendo continuar a exigir a maioria de 2/3 dos votos emitidos nos termos gerais". E sublinha que, "com o risco de desblindagem, a conservação da estrutura de poder das sociedades (estrutura accionista e administração) fica dependente do bom desempenho da sociedade". Isto é, "a vantagem da medida é que a desvalorização da sociedade a torna mais atractiva para tomadas de controlo das quais deixa de estar protegida, o que significa um maior incentivo a bons níveis de desempenho da sociedade e da administração". Além de as tornar também "mais atractivas ao investimento".

Esta professora refere que "o sector bancário é especialmente sensível e, nele, justifica-se com mais intensidade a preocupação de não manter blindagens que deixem de corresponder à vontade de tal maioria qualificada". Por um lado, "os incentivos à boa gestão alargam-se e são aqui especialmente importantes pelos interesses em jogo no sector", por outro" em caso de desvalorização dos bancos" assim "se assegura a atractividade para outros investidores, capazes de assegurar a injecção de capitais necessários".

Comentando o risco que o Governo não quis correr, ao fazer uma desblindagem apenas para os bancos, Ana Perestrelo diz que "a regra poderá ser alargada" às sociedades cotadas. E conclui que "o risco de tomadas de controlo por empresas estrangeiras existe, mas não é mais do que o funcionamento alargado de um mercado concorrencial que está em causa, sem medidas de protecção das sociedades".

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