Com o mandato por um fio, Dilma diz-se “injustiçada” e promete lutar

Apesar da aprovação parlamentar do impeachment, a Presidente brasileira garante que não irá demitir-se. Oposição não perde tempo e já está a formar Governo.

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Ueslei Marcelino/Reuters

Falando pela primeira vez desde a derrota expressiva que sofreu domingo à noite na votação parlamentar que autorizou a instauração de um processo de impeachment contra ela, a Presidente brasileira Dilma Rousseff declarou sentir-se “injustiçada” e “indignada” com a decisão. Numa ampla defesa feita a partir do Palácio do Planalto na segunda-feira à tarde, Dilma sublinhou que o processo “não tem base de sustentação”, até porque os actos de que é acusada – alegadas violações da lei orçamental – “foram praticados por outros Presidentes da República” anteriores a ela.

A Presidente brasileira classificou o resultado da votação na Câmara dos Deputados como um golpe e prometeu lutar com a mesma convicção com que no passado enfrentou a ditadura militar brasileira. “Esse não é o golpe tradicional da minha juventude, mas é o da minha maturidade”, disse. “Eu não vou me deixar abater por isso. Vou continuar a lutar como fiz ao longo de toda a minha vida. Essa luta não é por mim, mas pela democracia”, afirmou.

Foi o discurso de uma Presidente tranquila e sóbria – que chegou a demonstrar bom humor ao responder a perguntas de jornalistas – contrastando com a percepção de que o seu Governo acabou no domingo. “Perto do fim”, era a manchete do Globo esta segunda-feira, beirando o júbilo. No seu discurso, Dilma garantiu que, “ao contrário do anunciado, o fim não começou” e que está “no início da luta”.

A sua derrota na Câmara dos Deputados, onde mais de dois terços dos parlamentares, incluindo ex-ministros do seu Governo, aprovaram a instauração de um processo de impeachment, não foi definitiva porque ainda terá de passar pelo crivo do Senado. Dilma ainda se mantém em funções e, segundo o Advogado-Geral da União (procurador-geral do Estado que defende a Presidente no Congresso) José Eduardo Cardozo, não irá demitir-se. “Se alguém imagina que ela se curvará diante da decisão de hoje, engana-se”, declarou no final da votação na Câmara dos Deputados, que durou seis horas e terminou poucos minutos antes da meia-noite de domingo.

Sem sinais de ressaca depois de uma maratona de três dias que culminou na aprovação do impeachment, Brasília estava com pressa na segunda-feira. O vice-presidente Michel Temer, substituto de Dilma caso o impeachment seja aprovado no Senado, já começou a montar o seu Governo e a negociar cargos com partidos aliados, numa intensa movimentação de bastidores. Em termos de campanha pública, a prioridade será mudar as expectativas sobre o rumo do país e rebater as críticas de que pode desmontar os programas sociais deixados pelo PT.

Os nomes de potenciais ministros começam a ser avançados e a expectativa é que Temer formalize uma aliança com o principal partido da oposição, o PSDB. Presidido pelo adversário de Dilma nas últimas presidenciais, Aécio Neves, o PSDB está a finalizar um documento para apresentar a Temer expondo as suas condições para apoiar um eventual governo liderado pelo vice-presidente. Dilma criticou novamente o seu vice-presidente no discurso que fez segunda-feira. “É estarrecedor que um vice-presidente conspire contra a Presidente abertamente. Em nenhuma democracia do mundo uma pessoa que fizesse isso seria respeitada. Porque a sociedade humana não gosta de traidores”, disse.

Além de ter o mandato por um fio, Dilma tem um Governo esvaziado pela saída de cinco ministros – Saúde, Cidades, Ciência e Tecnologia, Aviação Civil e Integração Nacional – nas vésperas da votação do impeachment. Três outros ministérios estão sem titular, incluindo a Casa Civil, para o qual foi nomeado o ex-Presidente Lula, que viu o cargo suspenso por ordem judicial. Dois ministros, ambos do partido de Temer, o PMDB, devem deixar os cargos esta semana.

“Nas próximas semanas, o país deverá viver uma situação exótica: terá um Governo pela metade. Enquanto o Senado não autoriza a abertura do processo de impeachment, Dilma é uma quase ex-Presidente. Temer, um quase futuro Presidente”, resumiu Bernardo Mello Franco, colunista da Folha. Não é que um eventual Governo Temer não terá de enfrentar dificuldades: de acordo com uma sondagem realizada pelo Instituto Datafolha no domingo, numa manifestação de apoio ao impeachment de Dilma na Avenida Paulista, em S. Paulo, mais de metade dos entrevistados (54%) defendem o afastamento de Temer e a maioria (68%) tem expectativas negativas quanto a um Governo liderado pelo vice-presidente. Temer foi eleito juntamente com Dilma em 2010 e em 2014, mas pertence a outro partido, o PMDB, que deixou a coligação do Governo no final de Março e que foi o que mais votos (59) deu ao impeachment no domingo.

As atenções centram-se agora no Senado onde, à semelhança do que aconteceu na câmara baixa do Congresso, será constituída uma comissão especial para elaborar e votar um relatório sobre o impeachment de Dilma Rousseff, seguido de votação no plenário. Se uma maioria simples de senadores votar “sim”, Dilma terá automaticamente o seu cargo suspenso por um máximo de 180 dias, ficando a aguardar julgamento. As projecções mostram que a oposição já tem votos suficientes para aprovar o afastamento da Presidente no Senado. A previsão é que essa votação possa ocorrer entre os dias 10 e 11 de Maio, mas forças políticas e senadores favoráveis ao impeachment estão a tentar antecipar a data para o início do próximo mês. A equipa de Dilma irá batalhar pela caça aos votos dos senadores, embora a avaliação interna seja “dramática”, segundo a imprensa brasileira. O Governo também pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal para questionar o mérito do processo de impeachment, mas as expectativas nessa frente também são escassas porque os juízes do Supremo têm optado por uma postura de legitimação e não interferência no processo.

Uma terceira via começa a ganhar forma: a convocação de eleições antecipadas. Ex-ministra do Ambiente no primeiro Governo de Lula da Silva e candidata presidencial nas últimas eleições, Marina Silva tem vindo a defender essa alternativa, e na segunda-feira voltou a fazê-lo num comunicado em que apoia o processo de impeachment em curso. “Nem Dilma, nem Temer. Por uma nova eleição!”, defendeu a líder do partido Rede Sustentabilidade, que há duas semanas surgia à frente de uma sondagem do Datafolha sobre as intenções de voto para 2018, data das próximas eleições presidenciais. Um grupo de seis senadores também pretende apresentar uma proposta de lei pedindo eleições antecipadas, segundo o Estado de S. Paulo, apesar de reconhecerem que muito dificilmente ela terá êxito. O PT de Dilma irá discutir esta terça-feira a possibilidade de montar uma campanha nacional para ampliar o apoio popular a essa proposta, de forma a pressionar o Congresso a votá-la.

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