O debate sobre as finanças de Cameron é de facto sobre o Brexit

Os eurocépticos aproveitam os Panama Papers para enfraquecer a campanha do primeiro-ministro britânico sobre a Europa.

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O primeiro-ministro, David Cameron, e o responsável das Finanças, George Osborne, durante o debate parlamentar AFP PHOTO/PRU

O primeiro-ministro britânico foi ontem aos Comuns tentar arrefecer a questão que o persegue: os Panama Papers e as suas finanças pessoais. David Cameron não está ameaçado enquanto primeiro-ministro: o que se continua a desgastar é a sua imagem como líder da campanha pela permanência do Reino Unido na União Europeia, no referendo de 23 de Junho. É o que mais conta.

Depois de ter tornado públicos os seus rendimentos e a sua declaração de impostos desde que chefia o Governo, facto inédito mas cuja promessa remonta a 2012, anunciou medidas drásticas contra a evasão fiscal e defendeu a publicidade dos rendimentos dos políticos. Declarou que o seu Governo “agiu mais do que qualquer outro contra a corrupção sob todas as suas formas.”

O contra-ataque foi pouco eficaz: cada revelação sobre as suas operações financeiras tem como efeito suscitar por parte dos trabalhistas e dos conservadores eurocépticos novas questões sobre a herança do pai ou as doações da mãe. Todos os dias saem notícias, sem grande substância mas que alimentam a fogueira. A Economist afirma que ele revela uma certa fraqueza e que as anteriores recusas de debater “questões privadas” da família deixaram a ideia de que teria algo a esconder.

O ministro das Finanças, George Osborne está sob pressão para fazer o mesmo, a chefe do Governo escocês, Nicola Sturgeon, prometeu seguir o exemplo e o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, em breve revelará a sua folha de impostos. No entanto, muitos deputados conservadores declaram-se adversos a tal campanha de transparência.

Na segunda parte do discurso, Cameron abordou as negociações com a UE e avisou os eurocépticos: “Acredito que a escolha é entre uma Grã-Bretanha cada vez maior ou um grande salto no desconhecido. Os desafios que o Ocidente enfrenta hoje são genuinamente ameaçadores. A agressão de Putin no Leste e o extremismo islamista no Sul — na minha opinião não é um tempo para dividir o Ocidente.”

O factor referendo

A jornalista Helen Lewis, do New Statesman (esquerda), fala numa “guerra entre tories” [conservadores]. Refere que quando o The Guardian publicou as primeiras revelações sobre os Panama Papers estava longe de pensar em Cameron, objecto de uma referência marginal sobre um offshore em 2012. O problema “é que o David Cameron de 2012 não é o David Cameron de 2016”. “Que mudou esta semana?” A fusão dos Panama Papers com a campanha sobre o referendo.

“Agora ele é, efectivamente, a face do Bremain [ficar na UE], enquanto o Brexit é apoiado por dezenas dos seus próprios deputados, incluindo uma mão cheia de ministros e muitos influentes colunistas.” Para os paladinos do Brexit, “há manifesto interesse político em tudo que desacredite o primeiro-ministro” e negar a sua legitimidade para recomendar um voto popular pela permanência na UE. “Flagelar Cameron em 2016 é muito mais interessante do que flagelá-lo em 2012.”

“Goste-se ou não — acrescenta no Guardian a colunista Natalie Nougayrède — a sua credibilidade política na mensagem sobre a Europa foi enfraquecida pelos efeitos dos Panama Papers. (...) E também a credibilidade dos trabalhistas de Corbyn para defender a opção europeia “deixa muito a desejar”. Por outro lado, “o resultado do referendo holandês desta semana trouxe novas munições à campanha do Brexit. O [eurocéptico] Nigel Farage apressou-se a enviar um tweet: "‘Big No to Ue, Hurray.'"

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