“Naturalmente”, a única saída digna

A demissão de João Soares consumou a única saída digna para este caso. E agora, o que nos espera?

António Costa aceitou, "naturalmente", o pedido de demissão do ministro da Cultura do seu Governo, João Soares. Era, como se percebeu, a única saída digna. E é irrelevante, para tal desfecho, que a demissão tenha sido induzida pelo primeiro-ministro (e tudo indica que o foi, pelas suas declarações críticas, embora não tenha assumido a decisão), ou se João Soares percebeu finalmente que já não tinha alternativa. A verdade é que a sua demissão corresponde a uma escolha, aliás, legítima para qualquer cidadão: não querendo, como afirmou taxativamente na sua declaração de demissão, "prescindir do direito à expressão de opinião e palavra", optou por este (que usará como entender) e deixou o Governo. Parece que percebeu, enfim, que eram duas coisas incompatíveis, sobretudo na forma desabrida como praticava a primeira. Mas não saiu sem ao menos atribuir a sua demissão a um acto solidário com o Governo ("razões que têm que ver com a minha profunda solidariedade com o Governo e o primeiro-ministro, e o seu projecto político de esquerda") e sem acrescentar esta nota: "Sublinho o privilégio que representou para mim ter integrado este Governo." Não disse, embora outros o digam por ele, que desperdiçou tal "privilégio" por sua inteira culpa, pessoal (pela forma como se vinha comportando) e política (pela sua actuação ministerial). A isto o primeiro-ministro, António Costa, acrescentou uma outra nota, final, que só pode ser lida como apontamento irónico, e quase com um (involuntário?) toque literário: "Tenho a certeza de que, se tivesse tido oportunidade de desenvolver o seu trabalho durante quatro anos, seria pelo país todo reconhecido como um grande ministro da Cultura."

Só que não se aceita "naturalmente", e sem pestanejar, a demissão de alguém que poderia vir a ser "um grande ministro da Cultura". Por isso, este toque de farsa num desfecho que em si foi inevitável e de certa maneira exemplar (João Soares seguiu o caminho que escolheu, disse-o claramente e ninguém pode, assim, acusá-lo de se ter agarrado a um lugar onde não deixa saudades) serve-nos de provisório epílogo a esta história, que há-de ter continuação no curto prazo. Depois da experiência falhada de João Soares (que, fora do Governo, por mais "salutares bofetadas" que prometa aos seus detractores, não será uma sombra para a governação), António Costa terá de inventar uma saída que não o faça correr mais riscos. Deste livrou-se a tempo, e os que se preparavam para fazer do triste episódio um pretexto (fundado) para uma batalha política baixaram a guarda. Mas o que se segue? Um nome já "rodado" na pasta? Um Tiago Brandão Rodrigues com pergaminhos literários? Um novato? É certo que nem a pasta em si nem o orçamento com que é pobremente contemplada aguçam o apetite de ninguém. Mas como Costa quis "elevar" a Cultura de secretaria de Estado a ministério, agora não pode voltar atrás. Tal como o ex-ministro, tudo nesta saga é sem retorno. Veremos o que nos espera.

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