“Os zombies não sabem nadar” ou mais uma vaga de Fear the Walking Dead

A série que visita o lucrativo mundo de The Walking Dead antes do apocalipse está de volta esta segunda-feira ao canal AMC - e em pleno oceano. “É impossível não desenhar paralelos” com a crise dos refugiados, diz o co-criador Dave Erickson ao PÚBLICO.

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A prequela de Fear the Walking Dead está de regresso AMC
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A prequela de Fear the Walking Dead está de regresso AMC

Como um rodízio (moralmente) putrefacto, a televisão não tem descanso na sua grande odisseia dos zombies. Uma semana depois do final da 6.ª temporada de The Walking Dead regressa a sua prequela Fear the Walking Dead. Mais episódios, mais cenas do colapso do mundo e a mesma projecção dos medos e crises da humanidade deste início do século XXI. Junta-se a outros títulos mais ou menos recentes, como Ash vs The Evil Dead ou Z Nation, mas o seu co-criador Dave Erickson responde ao PÚBLICO: “Não acho que seja possível saturarmos o mercado” de zombies.

No Verão passado, Fear the Walking Dead acrescentou uma camada inédita à história dos zombies mais vistos da actualidade. The Walking Dead são os comics de Robert Kirkman que o canal AMC tornou na série mais vista da TV por subscrição dos EUA; Fear é a história que os livros não contam, a dos momentos iniciais da infecção que destrói parcialmente a humanidade (sem revelar, contudo, o que a causou), e que se tornou também na estreia mais vista de sempre no cabo nos EUA. Dave Erickson (Sons of Anarchy) trabalha com Kirkman e é o showrunner da série, que passa dos seis episódios em 2015 para 15 em 2016 - nos EUA, ambas são exibidas no AMC, mas em Portugal The Walking Dead passa na Fox e Fear é do canal AMC (Meo e Cabovisão).

Na 1.ª temporada, os miúdos vão à escola, os pais trabalham, as famílias têm problemas, os semáforos funcionam e a Internet crepita. Mas uma infecção desponta e Los Angeles acaba por cair, com ajuda do próprio Exército. A família em que se centra Fear the Walking Dead – Madison (Kim Dickens), Travis (Cliff Curtis) ou Nick (Frank Dillane) – acaba num barco com o misterioso milionário Victor Strand (Colman Domingo).

E o resto é história – da 2.ª temporada, filmada em Rosarito, no México, num complexo construído nos anos 1990 para as filmagens de Titanic. Esta será, descreve o showrunner, a temporada da “lenta rendição”, da “compreensão de que estão por sua conta”. Para o espectador, será também um encontro com a vida em fuga, e que para Erickson evoca a actual crise dos refugiados.

Fear the Walking Dead suscita imediatamente referências e perguntas sobre The Walking Dead – como se trabalha a sua identidade como série independente?  

Fundamentámo-la de forma diferente do que The Walking Dead, que vai do zero ao apocalipse no I Acto. Rick entrou em coma, acordou e o mundo tinha desaparecido. Nós temos a oportunidade de fundamentar a série primeiro numa dinâmica familiar e deixar que essa seja a história, no meio da paranóia crescente. O apocalipse visto através do filtro de um drama familiar. Com isso, ganhámos muita quilometragem - há muito para andar na 1.ª e na 2.ª temporada.

Têm mais episódios, mas os protagonistas estão presos num barco. Que tipo de história será e quão vulneráveis estão à ameaça dos zombies na água?   

Os zombies não sabem nadar - vamos explorar isso na estreia. Vamos perceber muito rapidamente, numa grande costa onde há muitos barcos, que não fomos os únicos a ter esta bela ideia de deixar terra firme. Os perigos no mar serão tão proeminentes quanto em terra.  

The Walking Dead é visto como uma metáfora para ameaças reais à humanidade, centrada no que é ser humano. Fear the Walking Dead partilha essas leituras ou acrescenta outras? 

O que é interessante no género do zombies, e em qualquer drama apocalíptico, é que há a tendência de as pessoas injectarem neles as suas próprias paranóias e medos. Que podem ser coisas simples da nossa vida quotidiana - as preocupações com filhos ou a família - ou questões mais amplas como a crise dos refugiados. Pela sua natureza, nesta temporada vivemos algo como uma série de refugiados. As personagens fogem de uma cidade bombardeada, fogem do perigo com a expectativa de encontrar refúgio e acho que é impossível não desenhar paralelos com o que se passa. Há algo de catártico no género porque é possível pegar em todas as preocupações, fobias e medos e injectá-los nestas formas humanas; e depois podemos matá-las.

Não escrevemos conscientemente algo sobre a crise que está a acontecer na Europa [e com a intenção de] transportá-la para a série, é sobre o que pensamos que aconteceria se houvesse um surto desta escala. Presta-se a muitas crises no mundo…

A série estreia-se uma semana depois do final da 6.ª temporada de The Walking Dead. A oferta de zombies dura todo o ano. Há um risco de saturação?  

Não é motivo de preocupação. Todas as séries têm um fim económico, não se faz uma série sem esperar, a certa altura, fazer lucro e The Walking Dead tem sido um grande sucesso, é uma série óptima. Não acho que seja possível saturarmos o mercado. A distinção entre personagens, localização e ambiente é suficiente para ser possível que haja quem veja ambas as séries e quem só veja uma. Se a primeira temporada provou algo foi que, decididamente, há público e mercado suficiente para manter ambas as séries com sucesso durante muito tempo. Mas se fizerem outra…

Robert Kirkman não quer explicar o que causa o apocalipse no universo que criou, mas não tem a tentação de fazer de Fear the Walking Dead a série que dá pelo menos mais umas pistas?

No início, dei algumas ideias ao Robert e ele travou-me logo. E por uma boa razão. A série nunca vai ser sobre causa ou cura. É uma escolha corajosa. Robert decidiu isso no início [dos comics de The Walking Dead] e manteve-se firme.

O que se faz quando se está neste purgatório de não saber como tudo começou? Porquê e quando é que se abandona a esperança de uma cura, de que alguém vai fazer com que tudo fique bem? Quando se desiste dessa esperança temos de mudar, de encontrar alguma esperança em nós mesmos, na nossa família, no que nos for mais próximo. Isso força as personagens a construir a sua própria esperança à medida que reconstroem a sociedade. Para mim seria o ponto final ideal, é o mais interessante. Uma cura seria demasiado fácil.

 

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