Draghi veio a Lisboa elogiar Governo anterior e deixar avisos a Costa

Na primeira reunião do Conselho de Estado da era Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente do BCE sublinhou o compromisso do actual executivo de apresentar medidas adicionais. CDS aplaude e exige conhecê-las.

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Draghi e Carlos Costa participaram na primeira parte da reunião do Conselho de Estado Nuno Ferreira Santos

Entre elogios à actuação do anterior Governo PSD/CDS e os avisos ao executivo socialista de António Costa, o presidente do Banco Central Europeu (BCE) deixou esta quinta-feira, em Lisboa, pedidos expressos para que Portugal não só não anule as reformas feitas, como aprofunde algumas, em especial a do mercado de trabalho e os incentivos ao investimento. O CDS aplaudiu, o Bloco de Esquerda ‘apupou’ e o PS permitiu que um membro da comissão política nacional criticasse, no jornal oficial do partido, o formato da reunião escolhido pelo Presidente da República.

Na primeira reunião do Conselho de Estado da era Marcelo Rebelo de Sousa, o convidado especial Mario Draghi fez uma intervenção de cerca de 20 minutos e esteve depois quase duas horas a responder a questões. Se já era raro um não-membro do órgão de aconselhamento político do Presidente participar nestas reuniões, inédito foi o facto deste divulgar, quase em simultâneo, o teor da sua prelecção. Fê-lo na página oficial do BCE e com evidentes recados para o actual Governo: recomendou que Portugal não recue nas reformas realizadas, antes as aprofunde, e defendeu que se deve evitar a todo o custo o incumprimento das regras orçamentais europeias.

O elogio ao Governo anterior era evidente, mas temperado com o cumprimento ao actual executivo por se ter comprometido em apresentar medidas adicionais de consolidação orçamental para este ano. Algo que, afinal, deriva da exigência feita pela Comissão Europeia para dar luz verde ao Orçamento do Estado para 2016.

Mario Draghi não fugiu, na verdade, da linha de pensamento que tem seguido nos últimos meses. Disse que tanto a economia da zona euro como de Portugal estão a recuperar, muito graças às medidas adoptadas pelo Banco Central Europeu (BCE) mas salientou que é preciso fazer mais. E que esse papel cabe agora aos governos.

E o que é que Portugal deve fazer? Mario Draghi afirmou que uma política orçamental mais expansionista pode ser positivo. Mas deixou claro que considera que Portugal não é um dos países que pode fazer isso. “Em muitos países da área do euro, a margem orçamental para apoiar o crescimento é actualmente limitada”, disse, defendendo que se deve evitar “a distensão das regras orçamentais ao ponto de estas perderem a credibilidade”.

Para Portugal isto significa que não cumprir as regras europeias não é uma possibilidade assumida pelo BCE. E é por isso que Draghi, para além de mostrar a sua satisfação por Portugal ter conseguido evitar o chumbo do seu orçamento junto de Bruxelas, elogia a promessa do Governo de apresentar um plano B. “Acolhemos igualmente com agrado o compromisso das autoridades portuguesas em preparar medidas adicionais, destinadas a ser implementadas quando necessário para assegurar a conformidade”, afirmou.

Mais reformas estruturais

Perante estas limitações orçamentais, a Portugal resta, defende o senhor Europa, apostar nas reformas estruturais para fazer crescer a economia. Esse é aliás um conselho que o presidente do BCE faz a todos os governos e parlamentos da zona euro, defendendo que “as condições, em anos recentes, nunca foram tão favoráveis como o são actualmente ao arranque da introdução de reformas estruturais”.

Nesse cenário, para além de recomendar mais reformas, Mario Draghi afirma que “não se justifica anular reformas anteriores”. O recado é, no discurso, dirigido a todos os países da zona euro. Mas dito em Lisboa, não é difícil de imaginar quem são neste caso os principais visados.

Para não deixar dúvidas, Mario Draghi fez questão ainda de dizer que nos últimos anos “os esforços de reforma desenvolvidos por Portugal foram notáveis e necessários” e que “estão a dar fruto dentro e fora do país”.

O presidente do BCE e o governador do Banco de Portugal - também convidado para a primeira parte da reunião do Conselho de Estado, depois de ali terem almoçado com o Presidente da República, o primeiro-ministro e o ministro das Finanças - saíram do Palácio de Belém por volta das 17h40. A partir daí, a reunião prosseguiu por mais três horas, já apenas na presença dos 17 conselheiros presentes (os ex-Presidentes Mário Soares e Jorge Sampaio faltaram por motivos de doença e o líder do Governo regional dos Açores, Vasco Cordeiro, por questões de agenda).

No final da reunião, a nota informativa distribuída aos jornalistas dá apenas conta dos assuntos abordados, sem apresentar quaisquer conclusões que exigissem votação: na primeira parte o CE analisou a “situação financeira da Europa” e no segundo ponto “foram debatidos os projectos do Programa Nacional de Reformas e do Programa de Estabilidade”.

Sobre este ponto, acrescenta a nota que os conselheiros se debruçaram sobre “as opções que Portugal deve desenvolver em termos de afirmação do ímpeto reformista, no sentido de promover a competitividade do país, o crescimento económico, a redução do desemprego, o aumento dos rendimentos das famílias, em suma, melhorar as condições de vida dos portugueses” sem pôr em causa “a trajectória de sustentabilidade das finanças públicas”. Uma formulação suficientemente aberta que poderia ser subscrita tanto por Mario Draghi como por António Costa.

CDS aplaude, Bloco critica

No Parlamento, a vice-presidente do CDS-PP Cecília Meireles congratulou-se por o presidente do BCE ter alertado para o facto de um país "não estar no bom caminho quando opta sistematicamente por reverter e rever reformas". "É uma preocupação que o CDS também tem. Há também uma preocupação sobre o desemprego jovem, porque é de facto um grave problema europeu e em particular português", afirmou.

Cecília Meireles considerou também que o presidente do BCE fez uma "confirmação efusiva" sobre a existência de medidas adicionais, as quais são "sonegadas" pelo Governo ao parlamento e aos portugueses. "Já toda a gente percebeu que há medidas adicionais preparadas, o primeiro-ministro já reconheceu que existem, todos esperamos que não sejam necessárias, mas, na verdade, todos temos o direito de as conhecer", declarou, exigindo conhecer também o Programa de Estabilidade, documento que tem de ser entregue em Bruxelas até ao final do mês.

Por seu lado, o Bloco de Esquerda acusou o Presidente da República de ter “dado um sinal de reverências às instituições europeias” e de “submissão ao poder do capital”, ao convidar o presidente do BCE para o primeiro Conselho de Estado.

Falando à margem da recepção alternativa ao presidente do BCE, realizada no largo de S. Domingos, em Lisboa, o deputado e dirigente Jorge Costa lembrou que Marcelo Rebelo de Sousa é, em termos políticos, “da família da direita e defensor das instituições europeias”.

 

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