Dos negócios do pai aos offshores nas Caraíbas, Cameron no centro do furacão

Primeiro-ministro distancia-se do fundo de investimento gerido pelo pai. Panama Papers colocam sob escrutínio os paraísos fiscais instalados nos territórios ultramarinos britânicos.

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"Nenhum Governo, nenhum primeiro-ministro fez mais para combater a fuga ao fisco", disse Cameron Toby Melville/Reuters

Cerca de metade das 240 mil empresas offshore criadas por intermédio da Mossack Fonseca, a sociedade de advogados no centro do turbilhão dos Panama Papers, foi registada nas Ilhas Virgens Britânicas, pequeno território ultramarino que se tornou sinónimo de evasão fiscal. Ian Cameron, pai do actual primeiro-ministro britânico, foi cliente da firma panamiana, que o assessorou na gestão de um fundo de investimento que, em 30 anos de existência, nunca pagou impostos no Reino Unido. Duas ligações embaraçosas, que fazem de David Cameron personagem central na reacção ao escândalo mundial que, como afirmou o líder do Partido Trabalhista, voltou a mostrar “que há um sistema fiscal para a elite rica e outro para os cidadãos comuns”.

A ligação da fortuna familiar – que Cameron nunca negou, reconhecendo desde cedo o seu passado de privilégio – a paraísos fiscais é um assunto potencialmente explosivo, mesmo que nenhuma das investigações publicadas até agora tenha detectado ilegalidades nos esquemas usados por Ian Cameron para garantir que o fundo de investimento não era taxado no Reino Unido. E a recusa da sua porta-voz em comentar as revelações, alegando tratar-se de “assuntos privados”, incendiou ainda mais a polémica.

Numa entrevista à BBC, Jeremy Corbyn, secretário-geral do Labour, respondeu que as finanças do primeiro-ministro só são um assunto privado se não houver indícios de irregularidade e exigiu a criação de uma comissão independente para “examinar todos os que colocaram dinheiro [em offshores] para não pagarem impostos”. “Há questões que foram colocadas sobre a sua família, as suas propriedades e os investimentos do pai. É óbvio que têm de fazer parte da investigação”, afirmou. O “número dois” dos trabalhistas, John McDonnell, defendeu que Cameron deveria igualmente responder sobre a lista de lordes, ex-deputados e doadores do Partido Conservador que têm ou tiverem ligações à Mossack Fonseca.

O chefe de Governo foi sucinto no desmentido, feito quase dois dias depois de conhecidas as primeiras notícias. “Não tenho acções, nem trusts offshore, nem fundos offshore, nem nada de semelhante”, disse, resumindo as suas posses ao salário de primeiro-ministro, algumas poupanças e a uma casa que está alugada. O Guardian, um dos jornais parceiros do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação que investigou os 11,5 milhões de documentos que pertenciam à sociedade de advogados, notou que o primeiro-ministro teve o cuidado de não falar sobre as finanças de outros membros da família – caso da mãe, principal herdeira do marido, falecido em 2010 – nem tão pouco sobre o quão importante terá sido para a fortuna da família a actividade do fundo de investimento.

Foi muito mais explícito a responder aos que acusam o Reino Unido de, apesar de pregar moral, ser tolerante com a fuga fiscal e pouco ter feito pela transparência dos paraísos fiscais em que se transformaram algumas das antigas colónias. “Nenhum Governo, nenhum primeiro-ministro fez mais para combater a fuga ao fisco, a evasão fiscal agressiva, tanto no Reino Unido como a nível internacional”, afirmou, lembrando que foi ele o instigador, na cimeira do G8 em 2013, de um compromisso internacional para a partilha de informação fiscal entre países.

Mas os Panama Papers mostram que há trabalho de casa por fazer, ainda que a fuga de informação diga respeito a 40 anos de actividade da Mossack Fonseca. Uma actividade que passou em grande parte pelas Ilhas Virgens Britânicas, onde a firma de advogados especializada na gestão de fortunas e activos offshore ajudou a criar pelo menos 113 mil empresas, em esquemas que nalguns casos ajudaram os proprietários a beneficiar de regimes fiscais mais vantajosos, mas que em muitos outros terão servido para encobrir actividades criminosas.

Offshores: um paraíso de impostos, uma ilha para lavar dinheiro e muito mais

O arquipélago, de 28 mil habitantes e 15 ilhas habitadas, é um dos 14 territórios ultramarinos que o Reino Unido herdou do Império e que, tendo optado por não se tornar independentes, estão sob soberania britânica, ainda que tendo governo e leis próprias. Boa parte deles, das ilhas Caimão às Bermudas, transformaram-se em paraísos turísticos e fiscais, destino preferido pelos dois motivos das grandes fortunas, lícitas e ilícitas.

Em 2014, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) incluía as Ilhas Virgens no top 5 dos principais angariadores de investidores chineses e russos e o Financial Secrecy Index listava-as no 21.º lugar entre os 92 territórios mais opacos na prestação de informação – ao contrário do que acontece no Reino Unido as empresas e fundos ali sediados não precisam de identificar os seus accionistas. “O Reino Unido está no coração – no centro – de um evasão fiscal internacional ao permitir que estes remanescentes do Império tenham leis de sigilo financeiro e permitam aos trusts e empresas offshore operar sem qualquer transparência”, disse à BBC o advogado de direitos humanos Geoffrey Robertson.

Ainda em Setembro, numa visita à Jamaica, Cameron acusou as Ilhas Virgens e Caimão de não estarem a fazer o suficiente para combater a lavagem de dinheiro e a evasão fiscal, resistindo à ideia de criar registos centrais sobre a propriedade das empresas que albergam. Mas perante o escândalo, Jeremy Corbyn foi mais longe, defendendo que Londres deve reassumir o governo dos territórios que recusarem adoptar leis mais restritivas. “Eles têm de perceber a revolta das pessoas deste país quando lêem sobre esta evasão fiscal de dimensão industrial.”

A alegada fortuna de Putin está distribuída pelas empresas e contas dos amigos

 

 

 

 

 

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