Pode haver 34 pessoas ligadas a Portugal com offshores nos Panama Papers

Nos mais de 11,5 milhões de documentos agora revelados há 34 donos de offshores com morada em Portugal e 23 clientes do escritório de Mossack Fonseca. Ministério Público "está a acompanhar" o caso.

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Depois da revelação dos Panama Papers, as autoridades invstigam os clientes da Mossack Fonseca AFP

Uma viagem relâmpago aos últimos anos de escândalos em Portugal permite perceber o que está em causa nestes Panama Papers que agora ocupam o topo da actualidade noticiosa no mundo. Evasão fiscal, branqueamento de capitais, ocultação de operações financeiras nos balanços dos bancos, utilização de refúgios fiscais para garantir o anonimato de transacções. De uma maneira ou de outra, este foi o cenário de filmes tão diferentes como o do BES, o do BPN, o das operações Furacão e Monte Branco. Foi através de offshores que circularam (parte) das “comissões” da venda dos submarinos. Era num offshore que estavam os quadros de Joan Miró da colecção de arte do banco de Oliveira e Costa e se resguardava o colossal buraco do Banco Insular, que os contribuintes portugueses pagaram com milhares de milhões de euros. Se em vez de Mossack Fonseca o nome fosse o de um escritório de advogados português, especialista em “planeamento fiscal”, todo o ritual desta gigantesca revelação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) seria, porventura, mais próximo.

Até agora, além da história de um português, de Vouzela, há apenas no acervo de 11,5 milhões de documentos, que o ICIJ investiga há um ano, a referência a 244 empresas com sede em Portugal mencionadas nos papéis do Panamá. Os “clientes” residentes em Portugal – do escritório de advogados panamiano – serão 23. Os donos de offshores deste acervo registados em Portugal são 34. E há ainda a referência a 255 “accionistas” ligados ao nosso país, segundo o jornal irlandês associado ao ICIJ, The Irish Times.

O Ministério Público garante que “está a acompanhar” este caso e promete agir caso se venham a apurar factos que revelem “a prática de crimes”.

Por enquanto são apenas números, mas o único jornal português que acedeu aos ficheiros, o Expresso (que, com a TVI, tem o exclusivo para Portugal da informação) garante que há figuras portuguesas neste caso.

Se os números do ICIJ para Portugal estiverem certos, são assustadores. Estes documentos resultam de uma fuga de um escritório de advogados do Panamá (o quarto, em dimensão, naquele país). E dizem respeito apenas ao Panamá, um refúgio fiscal (com ramificações), num total de 60 em todo o mundo. Pode ser a maior fuga documental da história e exceder em muito o volume de informação que estava em causa nos escândalos similares anteriores (Swissleaks e Luxleaks, sobre esquemas semelhantes na Suíça e no Luxemburgo), mas é ainda uma gota de água no oceano. Calcula-se que circulem verbas entre os 8 e os 32 biliões de euros através de off-shores. O número, por extenso, é este: 32 000 000 000 000 €. Isto é, cerca de metade do PIB Mundial. Chegaria para cumprir um dos (falhados) “objectivos do milénio” das Nações Unidas: reduzir para metade o número de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia.

Não é novidade que há portugueses que utilizam offshores. No auge da crise portuguesa, em 2011, o Banco de Portugal dava conta de um curioso número: o investimento português directo no estrangeiro tinha aumentado 134%. A fuga de capitais, no nosso país, segundo as contas de Richard Murphy da ONG Tax Research, pode ascender a um quarto da riqueza nacional.

“Muitos políticos têm a ilusão de que, de facto, governam os seus países, mas realmente eles apenas governam dentro dos limites que lhes são impostos pelo sistema financeiro global.” A frase não é de nenhum activista do movimento Occupy. É de Stuart Fraser, o homem que geriu depois da crise financeira de 2008 o maior offshore do Mundo, a City de Londres, uma milha quadrada de jurisdição especial, no coração de uma capital europeia. Fraser disse-o, recentemente, em frente às camaras do realizador Harold Crooks, no documentário The Price We Pay, de 2015, sobre o papel dos offshores na evasão fiscal.

Parece haver um consenso cada vez mais alargado sobre a necessidade de investigar a origem do dinheiro que circula em offshores. Aliás, depois da revelação dos Panama Papers, as autoridades tributárias de vários países estão numa corrida contra o tempo para mostrar serviço e investigar os clientes da Mossack Fonseca, a firma de advogados especializada na gestão de activos offshore que dirigentes políticos, empresários e clientes endinheirados usaram para omitir fortunas, lavar dinheiro ou simplesmente fugir ao fisco.

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