Como o mundo se começou a preocupar com a “bomba suja” do EI

Tratado para a protecção de material nuclear entrou em vigor, alimentado pelas preocupações em torno do “terrorismo nuclear”.

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Central nuclear de Doel, na Bélgica François Lenoir / Reuters

O receio de que o autoproclamado Estado Islâmico possa desenvolver uma “bomba suja” concentrou as preocupações dos líderes mundiais reunidos em Washington para a cimeira sobre a segurança nuclear. A entrada em vigor da Convenção para a Protecção do Material Nuclear, alcançada esta sexta-feira, vem “tornar mais difícil” a aquisição deste tipo de armamento pelas organizações terroristas, disse o Presidente dos EUA, Barack Obama.

O foco inicial do quarto encontro do género promovido pela Administração Obama foi a contenção da proliferação nuclear no mundo, com uma atenção especial para os últimos desenvolvimentos na Coreia do Norte. Mas os atentados de Bruxelas reivindicados pelo grupo jihadista impuseram o terrorismo na agenda.

A ratificação da muito adiada emenda à Convenção para a Protecção do Material Nuclear por 102 países permite a sua entrada em vigor – era necessária a ratificação de pelo menos dois terços dos 152 Estados signatários. No último dia da cimeira para a segurança nuclear, Obama disse que a ameaça do terrorismo nuclear foi “incomensuravelmente reduzida”, mas alertou para os perigos que ainda permanecem.

“O terrorismo está em expansão e a possibilidade de os materiais nucleares serem usados não pode ser excluída”, dizia na semana passada à AFP o secretário-geral da Agência Internacional para a Energia Atómica (AIEA), Yukiya Amano. Em concreto, o receio não é o de que o Estado Islâmico consiga desenvolver armamento nuclear no sentido tradicional do termo, mas antes Mecanismos de Dispersão Radiológica, vulgarmente conhecidas como “bombas sujas”.

A emergência de uma organização terrorista com capacidade nuclear assombra os sonhos da maioria dos líderes mundiais, mas a sua possibilidade é encarada como remota. “Esforços para construir um mecanismo nuclear de forma clandestina requerem um investimento coerente e consistente na ordem dos mil milhões (senão das dezenas de milhares de milhões) de dólares durante um período que poderá durar uma década ou mais”, lê-se num relatório de 2009 da consultora militar norte-americana Stratfor.

Um cenário mais plausível é o recurso às “bombas sujas”, que consistem na combinação de explosivos convencionais com material radioactivo – à explosão segue-se uma dispersão destas partículas. Não há comparação possível entre os efeitos deste tipo de mecanismo e os de uma bomba nuclear, por não existir na primeira uma reacção nuclear em cadeia.

Os efeitos entre as populações expostas à radiação – para além da óbvia destruição causada pelos explosivos – são sobretudo de longo-prazo, associados a cancros. Mas mesmo para se verificarem essas consequências, seria necessário uma quantidade elevada de elementos altamente radioactivos.

“É uma arma psicológica que causa estragos económicos”, explica à Al-Jazira o presidente da Partnership for Global Security, Kenneth Luongo. É o pânico causado por um ataque deste género que pode ter consequências mais profundas. “Se as duas bombas do aeroporto de Bruxelas tivessem algum material radioactivo, não se estaria a limpar o aeroporto para o reabrir numa semana – estaria a construir-se um aeroporto novo”, acrescenta o especialista.

Um vídeo na Bélgica

Recentemente, as autoridades belgas encontraram um vídeo em que estavam gravadas as rotinas de um técnico de uma instalação nuclear com acesso privilegiado. As gravações foram encontradas durante buscas ao apartamento de um homem com ligações ao Estado Islâmico e que terá sido um dos organizadores dos ataques de Paris, em Novembro, confirmando as suspeitas de vários serviços secretos europeus de que o grupo jihadista alimenta ambições nucleares. Porém, até hoje não há qualquer relato de que o Estado Islâmico tenha utilizado qualquer tipo de arma com efeitos radioactivos.

“Estou surpreendida que isso ainda não tenha acontecido”, dizia a directora do Conselho de Segurança Nacional para as armas de destruição maciça, Laura Holgate, durante um simpósio em 2013. A perplexidade da dirigente da Administração Obama reside na facilidade com que uma “bomba suja” pode ser fabricada.

“Sabemos que não seria necessária uma equipa de físicos nucleares ou mesmo uma rede criminosa sofisticada para transformar material simples numa arma mortífera”, conclui um relatório do Departamento da Energia dos EUA de Maio de 2013, citado pela Foreign Policy. Para além das facilidades no fabrico destas bombas, as componentes radioactivas estão disseminadas por todo o mundo, desde hospitais a fábricas, apesar de existirem medidas de controlo destes materiais.

Mais frequente tem sido o recurso do Estado Islâmico a armas químicas. O laboratório de química da Universidade de Mosul terá sido utilizado pelo grupo jihadista para o desenvolvimento de explosivos, de acordo com informações dos exércitos dos EUA e do Iraque reveladas pelo Wall Street Journal.

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