Desvendada a estrutura do vírus Zika

Microscopia electrónica permitiu obter imagem detalhada da estrutura do vírus de que mais se fala ultimamente. Conhecer as proteínas que compõem o invólucro do Zika ajudará os cientistas a identificar as células que ele infecta.

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Invólucro do Zika com glicoproteínas (a amarelo) e açúcares (a vermelho) Universidade de Purdue
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E o vírus visto ao microscópio electrónico Universidade de Purdue

Uma equipa de cientistas obteve imagens do já famoso vírus Zika. A estrutura foi revelada graças à microscopia electrónica e permitiu conhecer as proteínas que compõem o invólucro do vírus a um nível quase atómico, anuncia um artigo publicado nesta sexta-feira na revista científica Science. A descoberta pode ajudar os cientistas a encontrar moléculas para lutar contra o vírus e desenvolver uma vacina.

O Zika pertence ao grupo dos Flavivirus, onde se incluem o vírus da febre de dengue e o da febre-amarela. Os Flavivirus têm “um envelope que contém lá dentro uma molécula de ARN”, explica o artigo. Esta molécula – o equivalente ao ADN dos humanos – está rodeada por uma concha que é um icosaedro composto por 90 cópias de duas moléculas, uma glicoproteína do envelope e uma proteína membranar. Estas moléculas estão ancoradas numa membrana lipídica.

Para se multiplicar, o Zika tem de se ligar à membrana de uma célula, permitindo ao vírus injectar na célula a molécula de ARN, que contém a informação genética para produzir as proteínas virais. Depois, a molécula serve-se da maquinaria da célula para a produção de novos vírus.

É o mosquito Aedes aegypti, dos trópicos, que transmite o Zika aos humanos. Desde 2007 que o vírus se alastrou da Ásia para os arquipélagos do Pacífico. Quando chegou ao Brasil em 2013 (segundo as últimas estimativas de uma equipa coordenada pelo investigador português Nuno faria, da Universidade de Oxford), o Zika tornou-se uma forte preocupação. Na maioria das pessoas, o vírus causa sintomas (febre, borbulhinhas e dores) pouco preocupantes. Mas um súbito aumento dos casos de microcefalia em recém-nascidos fez as autoridades de saúde brasileiras desconfiarem do vírus como a causa deste fenómeno anormal.

Vários artigos científicos abordaram a questão. Um dos estudos mais recentes detectou a presença do vírus no cérebro de um feto com problemas de desenvolvimento. Há já 944 casos confirmados de microcefalia no Brasil e mais 4291 casos suspeitos. Ao todo, centenas de milhares de pessoas já terão sido infectadas pelo Zika no Brasil e desde 2007 que o vírus já atingiu 61 países.

A nova descoberta poderá ajudar a travá-lo. “A estrutura do vírus permite ter um mapa que revela as regiões que podem ser alvo de um tratamento, que podem ser usadas para criar uma vacina eficaz e que podem melhorar o diagnóstico do Zika e distinguir este vírus dos outros vírus seus semelhantes”, explica Richard Kuhn, um dos líderes do estudo, da Universidade de Purdue, no Indiana (EUA), citado em comunicado.

A estrutura do vírus foi observada por crio-microscopia electrónica, que permitiu obter imagens com uma resolução perto do diâmetro de um átomo – ou seja, de menos de quatro angströms. Para se ter uma noção destes comprimentos, é preciso ir descendo na escala dos tamanhos. Um milímetro está dividido em mil micrómetros e um glóbulo vermelho humano tem cerca de sete micrómetros. Os vírus são ainda mais pequenos. É necessário dividir um micrómetro em 1000 nanómetros. O Zika tem 60 nanómetros de diâmetro, o que equivale a 600 angströms. A resolução de menos de quatro angströms permite observar, quase átomo por átomo, as moléculas que compõem o invólucro do Zika.

Mas há poucos anos estas imagens não seriam possíveis de obter com esta técnica. “A amostra é congelada num suporte e observada ao microscópio electrónico”, descreve ao PÚBLICO Michael Rossmann, também da Universidade de Purdue. “Dezenas de milhares de partículas virais são gravadas em imagens com grande ampliação. Cada uma está numa posição aleatória. Determinámos a posição relativa de cada partícula e de seguida juntámos todas as partes numa imagem tridimensional. Até há dois ou três anos, os detectores [dos microscópios] electrónicos não eram suficientemente bons para obterem [imagens com] uma resolução de cerca de dez angströms. Agora quase que obtemos imagens com resolução atómica.”

Uma das informações mais importantes que a estrutura do Zika revelou foi a existência de uma pequena molécula, um açúcar, ligada à glicoproteína do envelope. Este açúcar está virado para o exterior e é diferente de outros açúcares que estão ligados à glicoproteína equivalente que se encontra no envelope do vírus da dengue e do da febre-amarela.

Estes açúcares são “locais na superfície do vírus muitas vezes envolvidos na ligação do vírus às células do hospedeiro”, explica Michael Rossmann. Por isso, poderão servir para descobrir exactamente a que tipo de células é que o Zika se pode ligar e infectar.

Neste contexto, um outro estudo realizado por uma equipa da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA), traz um avanço em relação às células-alvo do Zika. O trabalho, publicado esta semana na revista Cell Stem Cell, mostrou que o vírus se liga a uma molécula chamada AXL, abundante na membrana de células estaminais neuronais existentes no cérebro dos fetos durante o segundo trimestre de gravidez. Estas células vão produzir vários tipos de neurónios do cérebro.

Isto “dá-nos uma pista importante de como o vírus Zika é capaz de produzir casos devastadores de microcefalia”, diz Arnold Kriegstein, líder do estudo, num comunicado da Cell Press, editora da revista. Assim, passo a passo, as peças do quebra-cabeças chamado Zika vão sendo colocadas no lugar certo.

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