Adolescência: uma possibilidade de pensamento mágico

John From é um filme sobre a adolescência enquanto derradeira possibilidade de um “pensamento mágico”, onde a força de um desejo (no sentido mais simples do termo, sem excluir o mais carnal) é suficiente para transformar o mundo.

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John From não é um filme de terror, bem longe disso, mas é um filme que desvia alguns procedimentos típicos do fantástico e do sobrenatural para os pôr ao serviço da sonhadora melancolia de uma adolescente apaixonada. Quando uma reunião de condóminos assustados com a “gandulagem” da vizinhança é invadida por um nevoeiro inexplicável, ou quando um automóvel circula sozinho sem ninguém ao volante, a gente até se lembra de John Carpenter (The Fog e Christine, se calhar em citação expressa, se calhar não), mas nada aqui mete medo, nada apela aos demónios da consciência, tudo funciona numa ordem de doçura,

É a doçura de uma rapariga de 15 anos apaixonada no Verão, num bairro de Telheiras despovoado. Desde o princípio, desde o primeiro plano, a miúda está a “inventar” – aquela varanda inundada onde ela apanha sol, como se fosse a praia ou a piscina que tem à mão. E depois inventa uma paixão, pelo novo vizinho do prédio, um fotógrafo acabado de chegar dos mares do Pacífico sul, que no centro cultural do bairro organiza uma exposição sobre a sua viagem à Melanésia. Tudo se confunde, então: John From é um filme sobre a adolescência enquanto derradeira possibilidade de um “pensamento mágico”, onde a força de um desejo (no sentido mais simples do termo, sem excluir o mais carnal) é suficiente para transformar o mundo, ou pelo menos para transformar Telheiras na Melanésia, com a ajuda de efeitos de caracterização de teatrinho de liceu e efeitos digitais simples e rudimentares como os de uma série juvenil de televisão.

Por esse lado – o da adolescência – é tudo tão justo e tão bonito que tanto toca quem se lembra duma adolescência nos anos 80 (o verão urbano, as ruas tomadas pelos miúdos e pelas miúdas) como se faz absolutamente contemporâneo, com os gadgets (o iPod, que João Nicolau aproveita como em cinema ninguém aproveitou) e aquela liberdade “clandestina” (as noitadas passadas na internet) que se imagina ser a dos adolescentes de agora. Todo o filme é à medida deles, a câmara enquadra-os como se os jardins e varandins de Telheiras, os verdes e os cinzentos, tivessem sido construídos como um labirinto de que só eles sabem o segredo. Os adultos – os pais, por exemplo – aparecem de “passagem”, como se estivessem a mais, vultos que cruzam o enquadramento, desmancha-prazeres que querem levar a filha para a praia no Algarve quando ela sabe que a verdadeira praia está ali mesmo, em Telheiras (ou, o que vai dar ao mesmo, na Melanésia). É daqueles filmes onde o casting é meio caminho andado: a química entre as duas miúdas protagonistas (Júlia Palha e Clara Riedenstein), aquela parceria cheia de cumplicidades, muito doce mas, como é próprio dos adolescentes, com uma seriedade muito adulta, funciona às mil maravilhas. E, juntas, têm este poder que só o pensamento mágico – ou, por outras palavras, o cinema – consegue: fazer um bairro inteiro ser ocupado pelos antípodas.

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