Activistas em Angola sabem esta segunda-feira se ficam presos ou em liberdade

Julgamento começou a 16 de Novembro e deverá terminar esta segunda-feira com a leitura da sentença. Nas alegações finais, os 15+2 foram também acusados de associação de malfeitores, crime que pode dar penas entre os oito e os 12 anos de prisão.

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Os 15+2 activistas começaram a ser julgados em Novembro do ano passado Miguel Manso

Hitler Samussuko não tem receio de falar. Acredita que nada mais o pode prejudicar agora que o julgamento dos 15+2 activistas chega ao fim. Já muitas vezes disse o que voltou a afirmar, na sexta-feira passada, por telefone, a três dias da data marcada para a leitura da sentença que o pode condenar ou ilibar – e aos companheiros do movimento revolucionário que contesta o poder em Angola. “O Ministério Público está a fazer tudo para nos manter encarcerados. Para justificar a incompetência depois de um processo kafkiano, será preciso prender algumas pessoas, também por orgulho do Estado”, diz ao PÚBLICO. “Basta ver o novo crime de que nos estão a tentar acusar.”

No início do julgamento, em Novembro passado, os 15 (presos) + 2 (em liberdade) activistas estavam acusados de actos preparatórios de atentado contra o Presidente da República ou outros membros de órgãos de soberania e de actos preparatórios para a prática de rebelião. Como prova, a acusação apresentou uma lista discutida no Facebook, entre alguns membros do movimento revolucionário, sobre um hipotético governo de salvação nacional.

Porém, nas alegações finais, no dia 21 de Março, o MP deixou cair o primeiro dos crimes pelos quais tinham sido pronunciados (atentado), mantendo o segundo (rebelião), cuja pena de prisão pode ser até três anos, que pode ser suspensa ou convertível em multa até 360 dias.

Mas defendeu que todos fossem acusados por um outro crime: associação de malfeitores – cuja moldura penal é superior, podendo a pena de prisão ser até oito anos, ou até 12 anos para os que forem considerados líderes. Para tal, invocou a postura dos réus durante o julgamento: “Os indícios indiscutíveis são os factos de os réus virem descalços para a sala de audiências, vestirem-se de camisolas brancas [com o rosto deles mesmo estampados como palhaços], de interferirem com os depoimentos dos declarantes e não responderem as perguntas que lhes foram colocadas, o que demonstra que estamos perante um grupo coordenado e com conduta comprovadamente criminosa”, lê-se em excertos das alegações finais da acusação, publicados no site Central Angola.

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“Antes disso estávamos convencidos que seria uma pena suspensa. [Com esta nova acusação levantada nas alegações finais] vemos que estão mesmo à procura de manter algumas pessoas presas”, continua Samussuko. Sobre o seu estado de espírito e o dos companheiros, diz: “Estamos à espera de sermos condenados. Esperamos todos os golpes deste regime.” Está a “mentalizar-se”, diz, “para suportar tudo o que der e vier”. Não desiste. “Estou comprometido com uma causa. Temos que lutar, lutar.”

Também os advogados estão convencidos de que esta intenção de condenar os réus de associação de malfeitores surge para tornar mais difícil uma pena de prisão suspensa.

“O Ministério Público não conseguiu trazer nada de novo. Vendo-se sem argumentos, deixou cair a acusação de preparação de atentado, manteve a de preparação de rebelião, mas acrescentou um crime, dos crimes comuns, e não dos crimes contra a Segurança do Estado”, diz o advogado Zola Ferreira. “Nós pedimos ao tribunal que não atenda a esse pedido.”

“A moldura penal da acusação por associação de malfeitores dá mais cobertura para que o tribunal condene pelo menos alguns activistas a uma pena de prisão efectiva”, explica o advogado de defesa de quatro activistas, que fala da manifesta “vontade de punir demonstrada pelo tribunal” ao longo do julgamento. E conclui: Esta manobra de acrescentar um novo crime serve “para esvaziar o trabalho feito e acima de tudo para condenar com uma pena mais gravosa”.

O advogado Walter Tondela considera de “arbitrária” a decisão do MP de “vir inventar” novas acusações para além daquelas de que os arguidos tinham sido pronunciados. A nova acusação dificilmente será convertível em multa como seria possível com a acusação de rebelião. E diz que “o tribunal já deu mostras de que tudo é possível”.

Presos a meio do julgamento

No dia 7 de Março, em resposta a uma carta enviada por um dos activistas, Nuno Dala, dizendo que preferia não comparecer se o julgamento continuasse a decorrer como estava a decorrer, o juiz presidente deu ordem, em pleno tribunal, para a medida de prisão domiciliária deste activista passar a prisão preventiva. Nuno Dala foi conduzido à cadeia de São Paulo onde iniciou uma greve de fome no dia 10 de Março.

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Um mês antes, no dia 8 de Fevereiro, outro dos 15 activistas presos, Manuel Chivonde Baptista, que adoptou o nome de um dos líderes da contestação ao Presidente Agostinho Neto em 1977, Nito Alves, foi condenado sumariamente a seis meses de prisão sob a acusação de ter injuriado o tribunal ao chamar o julgamento de “palhaçada”. Como Nuno Dala, voltou à prisão já depois de ter sido determinada – a todos os activistas – prisão domiciliária em Dezembro, após os seis meses em que estiveram presos em várias cadeias.

No final, o MP pediu a condenação dos 15 na cadeia ou em prisão domiciliária – Luaty Beirão, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Albano Bingobingo, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias, Domingos da Cruz, Fernando Tomás “Nicola”, Hitler Samussuku, Inocêncio Brito “Drux”, José Hata, Manuel “Nito Alves”, Nelson Dibango, Nuno Álvaro Dala, Osvaldo Caholo, Sedrick de Carvalho – e das duas activistas também acusadas mas em liberdade – Rosa Conde e Laurinda Gouveia.

A acusação acabou por absolver Nito Alves do crime de mudança ilegal de nome, de que estava inicialmente acusado, mas manteve a acusação por crimes de falsificação de documentos contra Luaty Beirão. E isso leva a equipa da defesa a prever que o rapper possa vir a ter uma “pena diferenciada”, disse também por telefone o advogado Walter Tondela.

Temem também uma pena mais gravosa para o académico Domingos da Cruz, visto pelas autoridades como um dos líderes, um pensador e “instigador”, ou para Sedrick de Carvalho, “pelo seu activismo e por ser um jornalista”, para Nito Alves que já várias vezes esteve preso, para Mbanza Hamza, também visto como líder, e para o próprio Hitler Samussuko, que redigia as actas das reuniões do movimento. Foram estes os nomes mais vezes mencionados nas alegações do MP.

“Continuamos a acreditar na defesa e na inocência dos nossos constituintes. Mas estamos pessimistas. Esta não devia ser a nossa linha de pensamento mas acreditamos que haverá condenação, apesar de nada sustentar a acusação”, confessa Zola Ferreira.

Concentração em Lisboa

Num apelo à liberdade incondicional de todos os activistas, foi marcada para esta segunda-feira uma concentração no Rossio em Lisboa às 18h, pelo movimento LAPA – Liberdade aos Activistas Presos em Angola – à qual se juntará a Amnistia Internacional, que reuniu mais de 41 mil assinaturas numa petição dirigida ao ministro da Justiça e procurador-geral de Angola a pedir a libertação dos réus.

Entre os que poderão ser libertados, alguns pensam pedir asilo, por exemplo, junto da Embaixada do Brasil, diz o advogado e professor universitário em Luanda Albano Pedro. “Querem aproveitar a formação e evitar perseguições.”

Como os outros 14 activistas que estiveram presos entre Junho e Dezembro, Hitler Samussuko, em prisão domiciliária, tem quatro polícias à porta de casa, dia e noite. Apenas sai da sua casa no Cacuaco para as sessões de julgamento, em viaturas da polícia, para o tribunal que fica no bairro de Benfica. Têm sido assim os dias de Samussuko, a quem o pai deu o nome de Hitler, e ao irmão, de Mussolini. Até ser preso em Junho, o activista de 26 anos frequentava o 4.º ano da Licenciatura em Ciência Política na Universidade Agostinho Neto, em Luanda.

Agora, só acredita que lhe vão barrar todos os caminhos. “As pessoas mais empenhadas sabem que podem ser privadas de qualquer liberdade, mesmo que não fiquem presas.” Mas acredita: “A pressão internacional resulta. Se chegámos onde chegámos foi graças à pressão internacional.”

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