“Parece que os tempos estão a mudar”, disseram os Rolling Stones a Cuba

Aconteceu sexta-feira. Centenas de milhares reuniram-se em Havana para assistir ao primeiro concerto da banda lendária na ilha de Fidel Castro. Um momento histórico. Os mais novos anteviram um futuro de abertura, os mais velhos viveram a época que não puderam desfrutar.

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“Sabemos que há alguns anos era difícil ouvir a nossa música em Cuba, mas agora cá estamos na vossa bonita terra. Parece que, finalmente, os tempos estão a mudar. É verdade, não é?”, pergunta num esforçado castelhano o cantor inglês Mick Jagger. Perante si, centenas de milhares gritaram com incontido entusiasmado. Sim, parece que em Cuba os tempos estão a mudar.

Esta semana foi, enquanto prova disso, exemplar. Em Março de 2016, os cubanos viram um Presidente americano entrar-lhes em casa pela televisão, enquanto actor de um popular programa humorístico local – Obama a aprender a jogar dominó com Pánfilo foi marca de entretenimento da sua histórica visita à ilha no início da semana passada. E sexta-feira, dia 25, na Cidade Desportiva de Havana, os Rolling Stones tocaram pela primeira vez em Cuba e o rock’n’roll deixou oficialmente de ser representativo de “diversionismo ideológico”, “imoralidade” e “desvios sexuais”  assim classificava Fidel Castro a música nascida nos Estados Unidos nos anos 1950.

Nos dias anteriores o concerto era o tema de conversa entre todos, novos e velhos, roqueiros ou não. Nas ruas de Havana a icónica língua dos Stones via-se nas paredes e nas T-shirts dos cubanos e dos estrangeiros que se deslocaram à ilha para não perder o momento histórico. “Esta vai ser uma daquelas semanas que as pessoas usarão em comparação com outros acontecimentos. No futuro perguntarão, ‘foi antes ou depois de os Stones terem tocado?” assim se media, como relatado pelo Guardian, a importância de algumas horas de música.

Eram 20h30 em Cuba (0h30 em Portugal) quando subiram a palco Mick Jagger e Keith Richards, ambos com 72 anos, Charlie Watts, de 74, e Ronnie Wood, jovem de 68, acompanhados dos restantes músicos de palco. Jumping Jack Flash deu arranque a um concerto que se prolongou por mais de duas horas e que encerrou a digressão “Olé”, com paragens anteriores no Brasil, Uruguai, Chile, Argentina e México. Desligado do contexto em que surgiu este concerto de entrada gratuita, organizado em poucos meses e financiado por um empresário de Curaçao, Gregory Elias, dir-se-ia que os cubanos testemunharam o espectáculo habitual da maior banda rock’n’roll do mundo.

Mick Jagger foi mestre-de-cerimónias cortês e cantor endiabrado, um incansável poço de energia. “Mi compadre Keith Richards”, como apresentado pelo vocalista, mostrou-se o rosto e o corpo nobremente enrugado do rock’n’roll e “Revolutionary Ronnie Wood” foi o seu braço direito em coolness. “Charlie ‘Che’ Watts” foi, como sempre, o baterista com pose de cavalheiro, impassível na condução do ritmo. De olhar posto nos 80 metros de palco e nos ecrãs gigantes, centenas de milhares (presumivelmente meio milhão de pessoas, ainda que não haja dados oficiais) acompanharam um alinhamento repleto de clássicos. It’s only rock’n’roll, Angie, Paint it black, Honky tonk women, You got the silver para Keith Richards cantar, Midnight rambler para 20 minutos de blues-rock de boa têmpera, Start me up para a festa dançante, Sympathy for the Devil para feitiçaria inglesa em terras de Santeria e Brown sugar cantada por Jagger de bandeira cubana às costas, para delírio da multidão. Depois, em encore, You can’t always get what you want, com o acompanhamento do coro cubano Entrevoces, e, por fim, a obrigatória Satisfaction, a mais esperada, o mote para a libertação final: os relatos dão conta de rodas de mosh criadas pelo pessoal mais novo, de dança muito feliz e saltitante por parte dos restantes. Os clássicos a provocar a reacção clássica a um concerto dos Rolling Stones. Acontece que, neste caso, o contexto é tudo.

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“Ainda que seja pelos Beatles digo que posso morrer descansado depois de ver estes homens ao vivo”, dizia no final do concerto Henry, habitante de Havana de 44 anos, ao El País. “Não sei como expressá-lo. Só tendo nascido aqui se pode sentir o que isto significa”, explicou, antes de resumir tudo da seguinte forma: “Só lhe posso dizer que é um sonho tornado realidade”. Não é por acaso que o Granma, o jornal do Partido Comunista Cubano, dedicou à cobertura do concerto dos Rolling Stones o mesmo espaço editorial que reservou para a visita de Barack Obama. Em termos simbólicos, têm de facto a mesma importância (ainda que o concerto tenha assumido significados diferentes para os cubanos na assistência).

“Viver a época que não pudemos desfrutar”

Ao longo da semana foram chegando de todas as regiões do país. Na quinta-feira já havia quem acampasse à entrada da Cidade Desportiva de Havana. À medida que o dia avançava, sexta-feira, toda a zona se foi preenchendo de gente. T-shirts dos Rolling Stones por todo o lado, muitas bandeiras cubanas, mas também norte-americanas e do Reino Unido, argentinas ou mexicanas. Entre o público, muitos fãs dos Rolling Stones, naturalmente, mas também aqueles, principalmente os mais novos, que, ainda que se mostrassem incapazes de identificar uma única canção da lendária banda, não podiam faltar ao acontecimento. Uma reportagem inglesa dá voz a um deles, um jovem de 22 anos que vê na chegada dos Rolling Stones o início de um futuro com mais bandas, mais variadas, a chegar ao país. “Isso significaria que estamos menos isolados”.

Ao Guardian, uma estudante de arte fala de reformas económicas e da abertura que trará a nova relação com os Estados Unidos. Este concerto, para ela, é um sinal: “É estranho, mas toda a gente percebe que alguma coisa boa acontecerá mais tarde ou cedo”. Os mais velhos olham para o passado, o seu passado, aquele em que tinham que esconder os discos dos Beatles ou dos Rolling Stones em capas de álbuns dos cantores aprovados pelo regime e em que, pelo comprimento do cabelo e pelas roupas que usavam, eram apontados na rua – “friques”, chamavam-lhes – e alvo preferencial para detenção pela polícia. A partir de meados da década de 1970, o regime cubano tornou-se mais flexível perante a “música do inimigo” e aqueles que a ouviam, ainda assim para os rockeiros veteranos cubanos, o concerto é um regresso à juventude: “Viver a época que não pudemos desfrutar”, como relatado ao portal Martinoticias.com.

Mick Jagger não falou de política, não condenou o regime, não assinou uma declaração de solidariedade com os presos e reprimidos, como fora pedido por activistas cubanos logo que o concerto foi anunciado. O significado político esteve no concerto em si mesmo. Durante o dia, as centenas de milhares que se juntaram na Cidade Desportiva, tocaram guitarra para passar o tempo, beberam água para aguentar o dia quente (a venda de álcool foi proibida) e esperaram com ansiedade o concerto que todos garantiam uns aos outros que seria inesquecível. À zona VIP chegariam o actor Richard Gere, a modelo Naomi Campbell e o milionário Warren Buffett. No espaço reservado aos dirigentes cubanos, iriam encontrar-se alguns ministros, os cinco antigos prisioneiros americanos libertados pelos Estados Unidos quando do reatamento da relação entre os dois países, e também membros da família Castro segundo os relatos, nenhum deles era Fidel ou Raúl.

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REUTERS/Ueslei Marcelino

Oito e meia. Os Rolling Stones sobem a palco. Acendem-se dezenas de milhares de luzes de telemóvel, erguidos para registar o momento. Entre as luzes, uma velha câmara de filmar analógica dos anos 1990. Pertence a Edelix Fonseca, professor de xadrez que o El País descobrira durante a tarde nas ruas de Havana. A nova Cuba, a velha Cuba. “Sinto-me feliz que chegue este momento em que as coisas começam a ser normais, como sempre deviam ter sido”. A velha câmara regista as imagens.

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