Juiz do Supremo retira investigação sobre Lula das mãos de Sérgio Moro

O juiz da Lava Jato tem dez dias para explicar ao Supremo Tribunal Federal por que levantou o sigilo e divulgou escutas telefónicas a Lula.

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REUTERS/Adriano Machado

No pingue-pongue judicial desencadeado pela nomeação de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro, terça-feira à noite trouxe uma vitória, ainda que temporária, para o ex-Presidente brasileiro: o juiz do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki determinou que o juiz responsável pela Operação Lava Jato, Sérgio Moro, envie para o Supremo os processos de investigação que envolvem Lula da Silva.

A decisão de Zavascki, que analisou uma reclamação apresentada pela defesa do Governo na justiça, a Procuradoria-Geral do Estado, não anula a medida cautelar determinada na sexta-feira à noite por um outro juiz do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, de suspender a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseeff – na prática, um cargo equivalente ao de primeiro-ministro. Lula continuará sem cargo oficial até o plenário do Supremo Federal, constituído por 11 juízes, analisar e julgar o caso, o que não deverá acontecer antes da primeira semana de Abril.

Mas o despacho de Teori Zavascki reverte, em parte, a decisão anterior do seu colega Gilmar Mendes, que tinha remetido as investigações sobre Lula para Sérgio Moro. O ex-Presidente, que não foi formalmente incriminado, é alvo de investigação pela equipa da Lava Jato (uma task-force formada por procuradores do Ministério Público e pela Polícia Federal) por suspeitas relacionadas com um apartamento triplex no estado de São Paulo e com uma quinta em Atibaia, no interior paulista. Concretamente, a Lava Jato procura apurar se Lula recebeu esses imóveis de “presente” de construtoras envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras. Lula nega as acusações.

A investigação estava nas mãos de Sérgio Moro até Lula ser nomeado ministro, o que aconteceu há uma semana. Enquanto ministro, qualquer investigação criminal sobre Lula passaria a ser da competência do Supremo Tribunal Federal. É isso que vem sendo disputado desde quinta-feira – dia em que Lula foi a Brasília participar da cerimónia de posse e, logo depois, viu a sua nomeação ser suspensa – por decisão de dois juízes federais, em acções separadas (um em Brasília e uma juíza no Rio de Janeiro). E ainda que essas decisões tenham sido rapidamente revertidas, sexta-feira acabou com a decisão do juiz do Supremo Federal, Gilmar Mendes, de suspender a nomeação e manter Sérgio Moro no comando da investigação.

Na segunda e na terça-feira, a decisão de Gilmar Mendes foi reforçada por dois colegas do Supremo Federal, que negaram pedidos de habeas corpus em defesa de Lula – o primeiro apresentado por um advogado a título individual e o segundo pelos advogados de Lula – argumentando que não podiam anular a decisão de outro juiz do Supremo por essa via.

Num despacho em que critica a actuação de Sérgio Moro, Teori Zavascki desautoriza a quebra de sigilo sobre as escutas telefónicas feitas a Lula ordenada pelo juiz da Lava Jato e estabelece um prazo de dez dias para Moro prestar esclarecimentos ao Supremo sobre a sua decisão de divulgar publicamente o conteúdo das mesmas. Algumas dessas escutas, divulgadas na quarta-feira passada, depois do anúncio da nomeação de Lula, têm sido interpretadas e repetidas nos noticiários da Globo como suposta prova de que a intenção do ex-Presidente na sua ida para o Governo foi apenas obter protecção legal em relação a Moro. Quatro dessas conversas telefónicas são citadas pelo juiz Gilmar Mendes como sustentação para a sua decisão.

Zavascki deu razão a uma reclamação do Procurador-Geral do Estado, José Eduardo Cardozo, alegando que Moro não podia divulgar as escutas telefónicas porque elas incluem conversas mantidas com a Presidente, que goza de imunidade, e apenas o Supremo Federal poderia decidir o que fazer com as gravações. Segundo Zavascki, Moro era “reconhecidamente incompetente” para levantar o sigilo sobre as gravações dado que elas envolviam a Presidente da República. E fê-lo “sem nenhuma das cautelas exigidas em lei”, avalia o juiz do Supremo.

Quando se tornou alvo de críticas no meio jurídico, Moro defendeu publicamente a sua decisão de divulgar as escutas na semana passada dizendo que o tinha feito em nome do interesse público, porque “os governados” devem saber “o que fazem os governantes que agem protegidos pelas sombras”.

Mas Zavascki rebate esse argumento, dizendo que “é descabida a invocação do interesse público na divulgação” das conversas porque pressupõe que os interlocutores não têm direito à sua intimidade e privacidade.

Quando Moro enviar o processo, este será remetido ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para analisar se a Presidente Dilma ou outras autoridades com imunidade, nomeadamente ministros, cometeram alguma ilegalidade. Caberá depois ao Supremo avaliar o que ficará sob sua investigação e o que poderá ser reencaminhado para um tribunal de primeira instância. Se o Supremo concluir que a divulgação das escutas foi ilegal, a sua inclusão em qualquer investigação poderá ser inviabilizada.

 

 

 

 

 

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