Refugiados continuam a tentar a sua sorte mesmo sob a ameaça de expulsão

Grécia anuncia que acordo entre a União Europeia e a Turquia "entrou em vigor". Já depois disso, quatro pessoas morreram na travessia. Papa critica os países que viram as costas a quem foge da guerra

As primeiras embarcações chegaram ao nascer do sol
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As primeiras embarcações chegaram antes do nascer do sol Alkis Konstantinidis/Reuters
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A Grécia afirma que os refugiados vão permanecer nas ilhas AFP
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A maioria dos que chegam às ilhas gregas são mulheres e crianças Alkis Konstantinidis/Reuters
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A guarda-costeira turca interceptou vários embarcações que se dirigiam para o país vizinho Ozan Kose/AFP
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Voluntários ajudam refugiados à chegada a Lesbos Alkis Konstantinidis/Reuters

Centenas de pessoas chegaram às ilhas gregas no Egeu já depois da entrada em vigor do acordo entre a União Europeia e a Turquia para fechar aquela que foi a principal porta de entrada na Europa para mais de um milhão de refugiados. Tivessem conseguido lugar numa lancha horas antes e a sua sorte poderia ser muito diferente – os que chegaram depois da meia-noite de sábado já não serão levados para o continente e sobre eles passa a pairar a ameaça de serem devolvidos à Turquia.  

“O acordo entrou em vigor. As autoridades gregas estão a fazer tudo o que é necessário e vão continuar a fazer a sua parte”, assegurou George Kyritsis, porta-voz do Governo de Atenas, perante as dúvidas de que o país, que acolhe já 47 mil refugiados, 12 mil dos quais na fronteira com a Macedónia, estão estaria em condições de pôr rapidamente em prática o que foi acordado sexta-feira em Bruxelas.

Mas no Egeu a situação era mais confusa do que as declarações oficiais anunciavam. Entre a noite de sábado e a manhã de domingo, 875 pessoas percorreram as escassas milhas que separam a costa turca de território grego. Só em Lesbos, principal porta de entrada para os refugiados, um jornalista da AFP assistiu à chegada de 15 lanchas, transportando cada uma dezenas de pessoas. Numa delas vinham dois homens inconscientes que acabariam por ser declarados mortos na praia, perante o desespero de familiares. Mais a sul, na ilha de Ro, a guarda-costeira encontrou os corpos de duas meninas, de um e dois anos, que terão caído da embarcação em que viajavam.

Em Lesbos, os que chegavam eram encaminhados para o campo de Moria. Pouco antes, centenas de refugiados que ali estavam foram levados para o ferry Venizelos, que ao início da tarde largou âncora em direcção a Kavala, no norte da Grécia continental, com 1200 pessoas a bordo. Atenas iniciou no sábado uma operação para retirar das ilhas todos os que chegaram antes da entrada em vigor do acordo firmado com a Turquia e que poderão, por isso, ser abrangidos pelo programa de reinstalação noutros países da UE.

Os hotspots existentes nas ilhas têm apenas lugar para seis mil pessoas e o objectivo é libertar espaço para os recém-chegados. Estes, explicou à AFP o órgão de coordenação da política migratória grega (SOMP), já “não serão autorizados a deixar as ilhas”, tendo de esperar ali “pela chegada dos peritos estrangeiros que vão arrancar com os processos de reenvio. Mas um responsável da polícia em Moria garantiu à mesma agência que estava ainda à espera de “mais directivas” e que os que já chegaram depois da meia-noite “estão a ser registados como é habitual”.

Efeito dissuasor
O acordo firmado sexta-feira, que a Amnistia Internacional classificou como “um golpe histórico contra os direitos humanos”, prevê que todos os que cheguem a partir de agora à Grécia deverão ser devolvidos à Turquia. Não podem ser expulsos sem antes ter tido oportunidade de pedir asilo, mas Ancara comprometeu-se a mudar a sua lei de forma a ser classificado como “país seguro”, o que invalidará grande parte dos processos. Por cada refugiado que a Turquia aceitar de volta, a UE acolherá outro através de programas de recolocação, até um máximo de 72 mil pessoas, tendo prioridade aqueles que nunca entraram na Europa de forma irregular – o que, na prática, coloca os que tentaram a travessia no fundo da lista.

A União Europeia prometeu enviar 2300 polícias, magistrados e agentes de fronteiras para ajudar a Grécia a pôr em marcha o novo mecanismo, e a Frontex disponibilizou oito navios para transportar as pessoas de volta à Turquia, o que deveria acontecer já a partir de 4 de Abril. “Quando os reenvios começarem isso vai servir como dissuasão. Eles vão deixar de pagar mil ou dois mil euros aos contrabandistas” para fazerem a viagem, disse à Reuters o porta-voz das operações da guarda-costeira grega, Antonis Sofiadelis.

Gatan, um sírio que chegou a Lesbos já depois da 0h deste domingo com a mulher e dois filhos, contou à AFP que foi avisado para não fazer a travessia. “Disseram-nos na Turquia para não irmos para a Grécia, que nos arriscávamos a ser detidos pela polícia. Mas não podíamos continuar lá. Queremos ir para a Alemanha ou a França, tanto faz”.

A mesma determinação em seguir viagem repete-se na boca de todos os outros que, depois de terem fugido à guerra, querem reunir-se com familiares que já estão na Europa, estudar ou simplesmente encontrar um trabalho que até há bem pouco tempo lhes era negado na Turquia. Hussein Ali Muhammad, que fez biscates durante meses para pagar a viagem, disse à Reuters que nada, nem mesmo a ameaça de devolução à Turquia, o demoverá do sonho de completar na Dinamarca o curso que deixou a meio na Síria. “Espero atravessar estas fronteiras e concluir os meus estudos na Dinamarca, apenas isso. Não quero dinheiro, só estudar.”

Em Roma, o Papa voltou a assumir a causa dos refugiados, lamentando que tantos países na Europa estejam a optar por lavar as mãos da responsabilidade pelo seu acolhimento. Desviando-se da homilia preparada para a celebração do Domingo de Ramos, Francisco lembrou que também Jesus não teve direito a um julgamento justo e foi abandonado à sua sorte. “Estou a pensar em tantas pessoas, nos muitos marginalizados, nos que fugiram à guerra, nos muito refugiados. Há tantos que não querem assumir a responsabilidade pelo seu destino”, lamentou.

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