Familiares dizem que oficial de justiça tinha boa relação com o pai e a tia

Defesa de homem, que responde por dois crimes de violência doméstica na forma agravada, tenta provar que ele tinha boa relação com pai e tia.

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Julgamento começou nesta quinta-feira no tribunal criminal do Porto PAULO PIMENTA

O oficial de justiça aguardou quase uma hora à porta da sala de audiência no tribunal criminal do Porto, no Palácio de São João Novo, antes de se sentar no banco dos réus para responder por dois crimes de violência doméstica na forma agravada. Atrás dele, ninguém. À sua frente, no banco de testemunhas, foram passando aqueles que o defendem – a ex-mulher, as duas noras, um filho, dois amigos.

As várias testemunhas chamadas esta quinta-feira tentaram desfazer a ideia de que Vítor S., de 58 anos, seria capaz de deixar à fome, ao frio e às escuras o pai, Luís Basílio, que morreu no ano passado, aos 85 anos, e a tia Cármen Adelaide, dois anos mais velha, que ajudou a criá-lo e a criar os dois filhos dele. Todos afirmaram que eles até tinham uma boa relação.

Os factos de que o oficial de justiça é acusado remontam a 2013, 2014, 2015. A ex-mulher, Rosa Maria, viveu fora do Porto nesse período, mas diz que foi mantendo contacto com os idosos. Afiançou que Cármen Adelaide era autónoma. Igual garantia deu de Luís Basílio.

O juiz-presidente irritou-se com a testemunha e tentou contrariar parte da sua versão. Invocando relatórios médicos, por exemplo, lembrou que Maria Adelaide sofreu meningite ainda pequena e tinha dificuldade em compreender e em fazer-se compreender. E que a Luís Basílio fora diagnosticada uma demência. Outras testemunhas levá-lo-iam a ter atitude semelhante.

Segundo a acusação, uma prima costumava ajudar os idosos a organizar a casa e a alimentação, mas morreu com um cancro, em Abril de 2014, e Vítor não terá contratado um serviço domiciliário, nem prestado os cuidados necessários. Não levaria comida para casa. Limitar-se-ia a contratar o serviço de um restaurante para entregar almoço e lanche ao pai e apenas almoço à tia. Às segundas-feiras, dia de encerramento semanal, nada teriam para comer.

Era uma casa antiga, húmida. Vítor não consertaria os electrodomésticos que se iam avariando. Tão-pouco arranjaria o sistema eléctrico, que ia abaixo com frequência. Os idosos ficariam “longas horas às escuras”. Não teriam telefone. A sujidade acumular-se-ia. Vítor dispensara os serviços de uma mulher que ia uma vez por semana limpar a casa.

A 6 de Fevereiro de 2015, Luís Basílio caiu. No dia seguinte, ficou, em casa, “deitado, nu da cintura para baixo, com a janela do quarto aberta”. No outro dia: Vitor ter-lhe-á prendido os pés com um cinto e saído. Outra vez o frio, o escuro, o abandono. No dia seguinte: socorreu-o o INEM. Estava subnutrido, imundo, desidratado, com uma hipotermia. Morreu no hospital.

A ex-mulher asseverou que o oficial de justiça estava transtornado pelas muitas dificuldades que a vida lhe ia trazendo. Para além das doenças do pai e da tia, lidava com a sua. Tem diabetes em estado avançado. Em 2013, “ia perdendo um pé”. Esteve um mês e meio internado e três meses em casa de um filho. Em 2014, voltou a ter um problema no pulso.

Tanto a ex-mulher, como o filho, as duas noras e os dois amigos negaram que a casa estivesse suja e os idosos imundos, mal alimentados, mal agasalhados. Alguns acabavam por admitir que os quartos cheiravam mal, mas justificaram com o uso de penicos debaixo da cama. E que havia pulgas e ratos, mas remeteram para um armazém devoluto muito próximo.

Os familiares disseram ter contacto regular com os idosos. Garantiram que Cármen Adelaide podia levar fiado da mercearia, não tinha por hábito cear, lanchava por volta das 17h e deitava-se o mais tardar às 18h30. Disseram que Vítor ia ao supermercado buscar fruta, iogurtes e outros alimentos. E que comprou vários telemóveis ao pai, mas que ele os perdeu. Declararam também que havia roupa de cama à mão, que tanto ela como Luís Basílio podiam usar. 

O julgamento prossegue dia 31, às 15h. 

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