Birmânia já tem um Presidente civil, Htin Lyaw

É o nome dele que entra para a História, apesar de o novo chefe de Estado ter deixado claro que aquele lugar não lhe pertence: "Foi uma vitória da nossa irmã Suu Kyi".

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Htin Lyaw, o novo Presidente da Birmânia Soe Zeya Tun/AFP
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Aung San Suu Kyi no Parlamento ROMEO GACAD/AFP

Se havia dúvidas sobre quem vai governar a Birmânia, o novo Presidente desfê-las: “Vitória! Esta vitória é da nossa irmã Aung San Suu Kyi. Obrigada”, disse Htin Kyaw que foi eleito esta terça-feira com 360 dos 652 votos nas duas câmaras do Parlamento.

Kyaw, que tem 70 anos, é o primeiro chefe de Estado civil da História recente do país que foi governado por uma ditadura militar desde o golpe de Estado de 1962 até 2010-11, quando os generais abriram um processo de transição — escolheram um deles para governar, o Presidente Thein Sein, apoiado num Parlamento dominado por um partido político que criaram.

Em Novembro do ano passado, o Partido da Solidariedade e do Desenvolvimento perdeu as legislativas para a Liga Nacional para a Democracia, de Suu Kyi, que obteve 80% dos votos. O “momento Mandela” — na expressão da BBC — não se concretizou, porém. Suu Kyi não pôde passar de presa política a Presidente, porque a Constituição proíbe chefes de Estado com filhos estrangeiros, como é o seu caso; casou com um inglês e teve dois filhos com nacionalidade inglesa.

Depois de Novembro, houve negociações, mas os generais mostraram-se inflexíveis e não aceitaram a mudança da lei. Os termos exactos dessas negociações são desconhecidas, mas os jornalistas estrangeiros na Birmânia — o nome que Suu Kyi usa para o país que os militares rebaptizaram de Myanmar; ela prometeu que o fazia regressar à origem — dizem que os generais poderão ter feito tantas exigências (nomear ministros, governar regiões) que a líder histórica da resistência democrática desistiu do título, prometendo no entanto ser ela a mandar.

Chega-se à escolha de Htin Kyaw, cujas principais características, segundo os perfis publicadas, são a honestidade e a lealdade. O novo Presidente da Birmânia é, em primeiro lugar, um homem fiel à família de Suu Kyi — é amigo de infância da líder do partido, foram colegas de escola. Dirigia a fundação que a mãe de Suu Kyi fundou, o seu pai foi um dos fundadores da Liga e era próximo de Aung San, o herói da independência da Birmânia assassinado pouco antes da proclamação desta, em 1948. A mulher de Kyan é deputada, pela Liga. E ele foi sempre um conselheiro próximo da líder do partido e, depois desta ter sido libertada do regime de prisão domiciliária, em Novembro de 2010, acompanhou-a frequentemente nas suas deslocações — por isso se chegou a escrever que Aung San Suu Kyi escolhera o seu motorista para ser Presidente.

A eleição de Htin Kyaw significa mais um passo na democratização do país e na desmilitarização do poder. Porém, sobre o que se passará a seguir pouco se sabe. Mais uma vez, Suu Kyi não fez declarações à imprensa. Desconhece-se, por isso, que tipo de governo pretende formar — dissera, inicialmente, pretender criar um governo de unidade nacional, mas a inflexibilidade que os generais estão a demonstrar pode tê-la feito mudar de ideias.

Os militares, que redigiram a Constituição que entrou em vigor em 2008, garantiram um lugar de peso na governação. São eles que nomeiam os ministros da Defesa e do Interior e um quarto dos lugares do Parlamento de Naypyidaw (os militares passaram a capital de Rangum para esta nova cidade) são automaticamente deles. Os números impedem-nos de boicotar a iniciativa legislativa do próximo governo, mas sem os seus votos Suu Kyi não poderá alterar a Constituição para se ver livre dos militares que, além de garantirem poder político, têm nas mãos quase toda a estrutura económica do país.

Um dos vice-presidentes eleitos, Myint Swe, é o candidato dos deputados militares (obteve 213 votos). Pertence à chamada “linha dura” — ou seja, é um conservador pouco convencido quanto ao processo de democratização do país — e está na lista negra criada pelos Estados Unidos quando aplicou sanções ao regime militar. O outro vice-presidente é Henry Van Thio, também da Liga, que conseguiu 79 votos e representa as minorias.

O correspondente do jornal The Guardian nota que, na contagem final dos votos, 54 partidos independentes e étnicos votaram nos candidatos da Liga, o que é “um sinal de que é Suu Kyi quem manda no Parlamento” e de que tem um amplo mandato para agir. Para já, irá fazê-lo através de um Presidente que escolheu, mas a ideia de chegar à chefia de Estado não foi abandonada. Foi o próprio porta-voz da Liga quem confirmou a este jornal britânico, no início de Março, que Aung San Suu Kyi não desistiu de ser Presidente: “Só resta saber se isso acontecerá mais cedo ou mais tarde”.

 

 

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