Retirada ou pré-candidatura? José Eduardo dos Santos diz que sai em 2018

Há quem veja no anúncio uma estratégia para testar se é popular, quem pense que o Presidente não se mantém até 2018 ou quem acredite em “vontade genuína”. Anúncio apanhou próprio MPLA de surpresa.

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José Eduardo dos Santos numa imagem de 2012 AFP/STEPHANE DE SAKUTIN

O anúncio de que o Presidente de Angola e líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), José Eduardo dos Santos (J.E.S.), iria abandonar a presidência do país em 2018 gerou surpresa, mas também desconfiança em Angola. Será mesmo uma retirada ou uma estratégia para testar a sua popularidade e se candidatar às eleições de 2017?

"Tomei a decisão de abandonar e terminar a minha vida política em 2018", afirmou o Presidente esta sexta-feira durante a reunião do comité central do MPLA, marcada para preparar a candidatura do partido às próximas eleições gerais de 2017. J.E.S. completa 76 anos e estará no 39.º ano na presidência angolana em 2018.

“Deveremos estudar com muita seriedade como será construída a transição”, disse. “É conveniente escolher o candidato a Presidente da República, que é competência do comité central [órgão máximo entre congressos] nos termos dos estatutos, antes da eleição do presidente do partido no sétimo congresso ordinário”. Segundo a Constituição de 2010, o líder do partido com mais assentos parlamentares torna-se Presidente.

Já em 2001, o chefe de Estado angolano tinha comunicado uma decisão idêntica, anunciando que não desejava ser o candidato do MPLA às eleições. Também em Junho do ano passado, segundo o jornal online Rede Angola, o Presidente se referiu à possibilidade de abandonar a vida política na reunião preparatória do congresso. Por isso o anúncio foi visto com interrogações, sobretudo porque 2018 é o ano seguinte às eleições gerais de 2017.

Mesmo dentro do próprio MPLA a escolha da data é vista com surpresa. “O facto de ter escolhido 2018 para sair e não 2017 é um mistério insondável”, comenta ao PÚBLICO Luís Fernando, administrador executivo do grupo Media Nova e membro do MPLA. “É um timing em relação ao qual qualquer esforço de interpretação cai directamente no campo da especulação pura. É o tipo de perguntas a que só mesmo José Eduardo dos Santos poderá responder. Nem sequer o MPLA, que, como se sabe, foi também apanhado de surpresa com o anúncio desta sexta-feira.”

Já o deputado e porta-voz do partido da oposição UNITA, Alcides Sakala, comentou à Lusa: “Era de esperar que, depois de 40 anos, ele [Presidente angolano] tomasse esta decisão, de se retirar da direcção do país, mas também temos lembrado que não é a primeira vez que ele o faz. Já o fez no passado e por isso é preciso acompanhar essa questão de perto.”

Mas Luís Fernando acredita que desta “é de vez”. “No passado, não tive a menor dúvida também de que era uma vontade genuína manifestada por José Eduardo dos Santos de se afastar da política activa, só que as circunstâncias específicas do momento forçaram o volte-face. A guerra atroz precisava de um líder firme e foi isso que as diferentes correntes do MPLA privilegiaram. Rogaram ao Presidente que levasse até ao fim o esforço e foi esse o factor, e não qualquer outro (como um suposto apego ao poder, argumento esgrimido pelos seus adversários), que determinou que a saída anunciada não se tivesse concretizado.” E acrescenta: “Hoje, Angola está em paz, e é bem mais fácil sair-se sem que se crie a sensação de se ter deixado o trabalho por fazer. Portanto, não acredito que José Eduardo dos Santos queira ir para além da data que ele próprio estabeleceu.”

A aguardar o desfecho do julgamento em que é acusado de rebelião e golpe de Estado contra o Presidente, o activista Luaty Beirão sublinhou ao PÚBLICO: “Que sentido faz o Presidente anunciar o fim da sua carreira política para 2018, quando há eleições marcadas para 2017? Não seria mais adequado anunciar que o MPLA precisa de eleger já um novo candidato para ser cabeça de lista para essas eleições?”

O activista duvida que J.E.S. se afaste do poder e acha que é uma estratégia para se manter no lugar. “Este não é ainda o seu canto do cisne. Prevejo que agora virá a terreiro a gang dos bajuladores implorar para que continue a conduzir os destinos do país, pois nada existe para além dele. Alegando pressão por parte dos pares, J.E.S. acabará por ceder, proporcionando ao resto dos angolanos um desagradável déjà vu.”

Também o historiador Patrício Batsikama, autor do livro José Eduardo dos Santos e a Ideia de Nação Angolana (editora Mediapress, 2014), acredita, em declarações ao PÚBLICO, que a decisão tem dois objectivos: o principal é candidatar-se em 2017 para testar a sua popularidade e o segundo é “abdicar do poder depois de criar condições para a sucessão política”.

Outra teoria é defendida pelo escritor José Eduardo Agualusa: o Presidente “está a ser muito optimista”, e o “mais provável é que abandone o poder antes de 2018”. “A contestação interna é cada vez maior. A Igreja Católica pronunciou-se pela primeira vez, e de forma muitíssimo dura, contra a incompetência e a corrupção. Estamos no início de 2016, e Angola atravessa uma crise muitíssimo difícil. O regime está cercado de todos os lados e sem meios para fazer face a esse cerco. Ficaria muito admirado se J.E.S. se conseguir manter no poder até 2018.”

De uma forma ou de outra, “o anúncio é muito importante e de grande relevância para o actual momento que o país vive”, comenta Sizaltina Cutaia, directora de programas da organização não-governamental Open Society. A sua primeira reacção foi de cepticismo. Diz-se de uma geração acostumada a um Presidente que “não cumpre muitas promessas”. E pensa que esta é uma confirmação da sua candidatura, só que pode depois “renunciar ao mandato nos termos da Constituição após a sua eleição”. “Porém, penso que esta seria a opção mais viável, caso o substituto que o Presidente da República tenha em vista não reúna consenso dentro dos órgãos decisores do partido. O Presidente da República é uma pessoa muito imprevisível e, por ser extremamente inacessível, é difícil saber ao certo o que pensa e como agirá em relação ao seu futuro político, que de certa forma é o futuro do país, dada a sua longevidade no cargo.”

O director do jornal económico angolano Expansão, e professor na Universidade Católica, Carlos Rosado Carvalho conclui. “Estamos todos a tentar decifrar o enigma que o Presidente criou.” Analisa os efeitos que este tipo de anúncio, feito de forma pouco clara, têm: “Mais incerteza do ponto de vista económico." E observa: "Uma coisa deste tipo tinha de ser taxativa. O Presidente devia dizer: ‘Vou sair e já não me recandidato.’ Introduziu sinais de incerteza, quando temos o preço de petróleo em baixo. Isso não é bom para a economia. Os agentes económicos e investidores valorizam a estabilidade. Angola não precisava do factor adicional de incerteza. Ele tem sido factor de estabilidade, esperaria que a sucessão fosse mais bem preparada.” 

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