O pai tirano e a filha pródiga

Há uma ideia óptima na base de Deus Existe e Vive em Bruxelas. Jaco van Dormael não sabe é muito bem o que quer fazer com ela.

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Benoît Poelvoorde é impecável como um Deus burgesso e boçal

A melhor ideia de Deus Existe e Vive em Bruxelas reside no seu título português (tirado de uma das primeiras frases que se ouvem no filme) e no seu primeiro terço: Deus é um estupor ressabiado que não sabe o que fazer da vida e se diverte a brincar com as esperanças e desejos dos humanos, trata mal a mulher que passa a vida a bordar e a fazer colecções de cromos, e tem uma filha de dez anos, Ea, que está farta do mau feitio do pai. (Do filho, claro, não se pode falar em casa porque decidiu “improvisar” e deu cabo de tudo.)

O belga Jaco van Dormael (O Oitavo Dia, 1996) bem se esforça para criar uma longa-metragem à volta de uma ideia que resulta na perfeição enquanto pequeno sketch, mas o resultado avança aos tropeções enquanto esgota as potencialidades do dispositivo narrativo que vê Ea fugir de casa, tentar corrigir os erros do pai e fazer deste um mundo melhor.

É como se o cineasta não quisesse explorar a fundo as potencialidades da ideia, guinando constantemente entre a comédia non-sense, o drama melancólico e o comentário social e tentando encaixar o Rossio na rua da Betesga (há aqui mais ideias do que as que cabem em duas horas). E se Benoît Poelvoorde é impecável como um Deus burgesso e boçal e a miúda Pili Groyne de uma segurança invejável no papel da filha pespineta, já o restante elenco pouco ou nada tem que fazer pelo meio do vale-tudo pontualmente divertido mas no geral algo inconsequente do cineasta belga. Há uma óptima ideia de filme aqui pelo meio, mas parece que Jaco van Dormael não a quis levar muito longe.

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